Nem era preciso fazer o que fez para se perceber que o problema estava ali dentro, no cocuruto. Assim que foi substituído e cruzou a fronteira da linha, levantou o braço, a mão direita ergueu-se e, com ela, tocou duas vezes na cabeça. Agarrou no casaco, seguiu cabisbaixo e sentou-se no banco. Islam parecia o fantasma de Slimani e não era um daqueles que apenas uma pessoa consegue ver. Até Jorge Jesus o notou “menos agressivo”, reparou que “não estava a jogar na bola parada” nem “divida bolas” por ter “algum receio”. Dava menos do que o costume por temer que o mais que dá sempre o colocasse a jeito de um cartão amarelo. O argelino tinha uma desculpa.

Mas os restantes — fora Rúben Semedo — não tinham. E o colocar o pé com força nos ressaltos, as reações rápidas às bolas perdidas, a intensidade nas pernas para fugir à pressão dos outros que quase todos tiveram a menos, na primeira parte, foi deixando o Sporting a jeito. Em posição de sofrer o que os jogadores do Vitória lhe causaram durante quase 40 minutos. O avançado Henrique parecia um trinco raivoso atrás de William, enquanto os médios pressionavam e entravam à queima sempre que a equipa queria roubar uma bola. A linha da defesa jogava longe da área, a querer encurtar o campo aos leões e dar-lhes menos espaço para jogarem. Jesus dissera que via “coisas” suas na equipa treinada por Sérgio Conceição e ela deu-lhe razão.

Os vimaranenses punham mais corrida, intensidade e pica em tudo o que faziam. Na primeira tabela, aceleração e desmarcação do jogo, que deu a Licá uma bola na área que rematou com o pé esquerdo. Rui Patrício assustou-se e usou os punhos. Qualquer jogada dos leões parecia ser uma festa de apartamento sobrelotada. Ninguém dava mais de três passos sem ir contra alguém e o Sporting demorou 20 minutos até deixar alguém com espaço para descobrir outra pessoa. Aí Bryan Ruiz cruzou para Coates e, logo depois, Schelotto passou a Slimani, mas João Miguel mostrou a ambos o que é ser alérgico a sustos e sair rápido da baliza para os evitar.

Os leões continuam a mostrar menos do que costumam e quanto alguém quis mostrar mais, Jesus chateou-se. O treinador berrou, apontou o dedo a Schelotto e até em campo entrou para reprimir o italo-argentino, por dar um rastilho do sururu que se criou depois de ser varrido por Dalbert e mostrar desagrado ao adversário. Foi agressivo, talvez de mais. Mas foi aí que a equipa se soltou para, nos últimos dez minutos de primeira parte, começar a encontrar Bryan Ruiz e João Mário e dar a bola aos melhores pés da equipa. Passou a haver mais espaço e Otávio, o baixote brasileiro do Vitória, também o teve para ser ele a levar, em corrida, os contra-ataques do Vitória no pé direito.

I Liga: Vitória de Guimarães vs Sporting

Foto: Miguel Pereira/Global Imagens

O Sporting tinha mais companhia da bola, mas nenhuma equipa acertava mais do que sete passes em cada vez. Era uma partida para adepto bocejar e treinador gostar de avaliar e assim ficou até mais ou menos à hora de jogo — quando os leões começaram a dar um pouco mais e os vimaranenses a contentarem-se com darem menos. A reprimenda de Jesus a Schelotto serviu para o lateral dar boleia à equipa na segunda parte. Ganhava bolas, fintava a pressão, ia à linha cruzar. Foi dele a bola cruzada por alto que, a um metro da baliza, Ruiz atacou com o corpo inclinado para trás e não para a frente. Falhou, aos 60’. E foi do italo-argentino a bola que mais perto esteve de marcar até ao fim, aos 83’. Pelo meio houve desperdício.

Porque o tempo e o cansaço fizeram o Vitória preferir ser guardião dos espaços e em vez do risco do desarme. Recuou os jogadores, encostou-os à área, resignou-se a sofrer. Deixou sequer de conseguir contra-atacar e fez a sua parte para o Sporting ficar a enfrentar o que costuma: um adversário que dá menos e o obriga a dar mais.

Só que o mais que os leões deram não chegou e foi de menos para uma bola entrar na baliza. Culpas repartidas por Gelson Martins, que recebeu mal um passe na área e deu o segundo que Bruno Gaspar precisou para lhe fechar o espaço por dentro e o impedir de rematar. E por William Carvalho, que após roubar uma bola a meio campo, correu para receber a bola de volta de Ruiz e, da marca de penálti, rematá-la ao lado do poste direito. O Sporting era melhor, mas não inventou mais hipóteses para um golo aparecer porque dava velocidade a menos às jogadas e à bola.

O futebol não é como a matemática e tanto menos com menos não poderia dar mais. Os leões não marcaram, os vimaranenses mal atacaram após o intervalo e os golos não apareceram. Quem mais os marca e faz para que eles apareçam saiu de campo a culpar a cabeça e o bichinho que, lá dentro, lhe sussurrava para ter cuidado e não se por a jeito de um cartão amarelo. Slimani não o viu porque não foi o Slimani que o Sporting costuma ter e que Jesus espera que esteja em Alvalade, no sábado. O problema é que a equipa, por causa do menos que foi este 0-0, já só terá um ponto a mais que o Benfica no dérbi.