O Filósofo observou que havia duas espécies de vida: a activa e a outra. Consideremos a vida activa: existem muitos tipos. De facto, para podermos ter uma vida activa basta-nos ser agentes, não no sentido policial, mas num sentido mais lato. Um agente num sentido lato é um animal capaz de realizar actividades. Nem todos os animais são capazes disso, embora quase todos os animais humanos sejam. Sem dificuldade, os agentes humanos içam porcos, pintam quadros, guiam camiões, ou dão descomposturas.
Podem porém fazer certas coisas com desembaraço reconhecido; e nessa altura diremos que a sua vida activa é esplêndida. Uma vida activa esplêndida é uma vida que consiste em actividades a que terceiros reconhecem mérito, isto é, a que reconhecem um desembaraço particular. O reconhecimento do mérito parece estar ligado à frequência das mesmas actividades. Quanto mais tempo alguém passar a exercer as mesmas actividades de modo desembaraçado maior será a probabilidade de as suas actividades serem consideradas esplêndidas; e quanto menos activo alguém for menos admiração as suas actividades tenderão a suscitar. Quase ninguém admira um búzio; e quase todos uma formiga.
A julgar pelas declarações públicas das pessoas com vidas activas mais esplêndidas, as coisas que consideram mais importantes na sua vida, e a que agradecem mais frequentemente, são a família e os amigos. Família e amigos não são importantes ou igualmente importantes para todos os membros da nossa espécie. Muitos de nós não têm amigos, ou são mercuriais com a família; e não são menos humanos por isso, ou farão menos parte da espécie. As pessoas com vidas activas mais esplêndidas parecem porém estar particularmente gratas à família e aos amigos.
Os cientistas e os admiradores têm-se interrogado sobre a razão. A resposta mais frequente é que admiram coisas que contrastam com a lufa-lufa do seu múnus. Passando o dia a causar efeitos por esse mundo fora, não poderá deixar de saber bem gozar de vez em quando dos efeitos benfazejos que a família e os amigos suscitam. Família e amigos não parecem requerer nenhum esforço particular para que produzam efeitos: temo-los ou sempre os tivemos, e sempre por perto.
Mas esta explicação parece incompleta. Por um lado, a família e os amigos também podem ser preferidos por pessoas cujas vidas são pouco esplêndidas. Ora tal como não há razão para excluir da humanidade quem não tenha amigos, assim não há razão para negar amigos a quem não seja esplêndido. O que é peculiar nas vidas dos agentes esplêndidos, e que as suas declarações tão bem mostram, é pelo contrário que tantas vezes nelas tudo seja apenas actividade; que família e amigos sejam para elas ocasiões para actividades. Gostam da família e dos amigos como aquilo de que gostam mais, isto é, como novas ocasiões para fazer aquilo que fazem melhor. Gostam deles como gostam de guiar um camião, pintar um quadro, içar um porco ou dar uma descompostura.