A ideia que existe é a de o Chega ser de direita. Mas direita quê? É frequente dizer-se que é de extrema-direita ou de direita radical. O meu entendimento é o de que o Chega é um partido exagerado. Creio que não existe essa classificação em Ciência Política: direita exagerada, esquerda exagerada. Mas devia haver. Nos dias de hoje, em que tudo é comunicação, estilo e imagem, surgiu esse novo tipo. Sou de opinião que o Chega é mais exagerado do que extremista e torna-se extremista porque é sempre exagerado.

Não tinha de o ser, mas faz parte do seu estilo sê-lo. Falar aos berros, gesticular vigorosamente, usar os adjectivos mais carregados, lançar acusações fortes, confrontar sempre, hostilizar, não querer convencer, mas vencer, achar que um debate é necessariamente zaragata, agir em “grand théâtre”, entrar com ligeireza pelo insulto ou pela calúnia, ver como guerra uma zanga, como cataclismo um telhado que ruiu, como ameaça uma mosca a aproximar-se.

Na Assembleia da República, não é o único que já usou um ou outro destes modos. Mas o Chega, quando chegou, olhou, viu e escolheu-os a todos: é o único que usa todos aqueles modos e mais alguns da mesma fábrica e que o faz quase sempre, em cada questão que se discute, porque, por um lado, isso corresponde à sua natureza e, por outro, porque esse é o traje que quer vestir e quer que seja só seu, sem concorrência.

Há quem goste e há quem não goste. Eu não gosto. É natural, porém, que no Chega, se estejam nas tintas para eu gostar ou não gostar, até porque acreditarão que é esse estilo que explica o crescimento extraordinário do Chega: ao fim de cinco anos, alcançou 18,1%, 1.169.836 votos, 50 deputados. Acreditam e podem ter razão. Não acredito que tenham razão. Acredito que esse estilo desgosta, cansa e aborrece muita gente. E acredito que é por causa disso que o Chega falhou a sua primeira legislatura como partido grande e, continuando assim, irá começar a perder. Para mim, o maior problema do Chega é comportamental, tonando frequentemente impossível a convivialidade.

É impossível citar todos os momentos, de tantos que foram. Todas as semanas houve catilinárias, como que a servir um plano. As cenas patéticas da eleição dos Presidente e Vice-presidentes da Assembleia da República, em que o facto objectivo foi este: o Chega não elegeu o Presidente do PSD, desonrando os resultados eleitorais; a AD elegeu o Vice-presidente do Chega, respeitando os resultados eleitorais. A exuberante teatralidade das sessões em que Chega e PS revogaram as portagens nas SCUT e aprovaram regimes fiscais contra a posição do governo. As cenas lamentáveis da sessão solene do 25 de Abril, aproveitando-a para insultar insistentemente e de forma desmedida o Presidente da República. Não tinha de o fazer. Podia criticá-lo, sem ser assim. Devia fazê-lo, se sentia ter razões e ser oportuno. Mas não de maneira exageradíssima, de que nada ficou, senão o eco do berreiro e o rasto de uma acusação de “crime de traição à Pátria”, inexistente. Dir-se-á que foi coragem. Não creio. Pensei ser cobardia: atacar com vilania o Presidente da República, que se sabe estar preso à rigidez protocolar do seu lugar. O Presidente comportou-se como Presidente, o deputado não foi deputado.

Costumo dizer que o Chega não é bem um partido, mas uma interjeição. Uma interjeição de ira e de indignação: Basta! Chega!… e subindo por aí acima, entrando nos escalões do calão. Aquele estilo zangado, colérico, furibundo é a roupa teatral adequada à interjeição, frequentemente rematada com a exclamação: Vergonha! Vergonha!

Há muitas razões por que, no eleitorado português, foram crescendo, primeiro, sentimentos de frustração, depois de indignação e, enfim, de ira. No eleitorado ao centro e à direita, que votava PSD ou CDS, isso tornou-se muito sensível. Além dos temas clássicos do descontentamento eleitoral (economia, famílias, impostos, pensões, rendimentos, desempenho geral), juntaram-se matérias novas (a agenda woke, ideologia de género, descontrolo na imigração) que deixaram muita gente perdida, perplexa, sentindo-se abandonada, não ouvida, não representada. Estas pessoas ficaram livres e disponíveis para engrossar as hostes que tocassem esta música e mostrassem a firmeza necessária. Foram a caminho do Chega: uns directamente, a maioria parando, primeiro, na estação da abstenção e migrando, a seguir.

O Chega teve, assim, três patamares: 1,3% (2019), 7,2% (2022) e 18,1% (2024). Olhando ao PSD, teve 27,8% (2019) e 28,7% (2022), incluindo a sua parte nas Regiões Autónomas. O CDS recebeu 4,2% (2019) e 2,0% (2022), também com a sua parte nas Regiões Autónomas. Em 2024, PSD e CDS concorreram coligados, como AD, e obtiveram 28,9%, já com inclusão dos resultados nos Açores. Esta última votação de 2024 resultou politicamente melhor que 2022, mas foi quantitativamente inferior – em 2022, PSD e CDS haviam somado 30,7%.

A minha leitura da evolução é esta. O Chega não nasceu tanto do CDS, mas sobretudo do PSD, que era o partido de André Ventura – é o que está nos 1,3% de partida. A partir daí, passou a atrair igualmente eleitorado descontente do PSD e do CDS. E há eleitores de outras origens, é claro. O PSD parece ter batido no seu chão, à volta dos 28%; o CDS acabou a perder representação parlamentar directa. Diga-se que é injusto atribuir a Assunção Cristas a responsabilidade da queda eleitoral de 2019 – a última votação do CDS em listas próprias fora 11,7% em 2011. As listas conjuntas de 2015, a eleição intermédia, não permitem repartir a baixa por PSD e CDS. Sou de opinião que, sozinho, o CDS teria tido em 2015 resultado semelhante a 2019, pois já era, então, muito sensível o descontentamento específico de eleitores CDS.

É indispensável que, nas próximas eleições, não regresse a maioria de esquerda, o que seria um autêntico desastre. Diria mesmo catástrofe, talvez ao nível estonteado do que se passa em Espanha. Haveria nova explosão ideológica em tudo o que é área de governo, abalando a normalidade do funcionamento do Estado, a recuperação da Saúde ficaria comprometida e voltaríamos ao precipício na Educação, na Imigração, na Justiça, na Segurança, na gestão pública em geral e no investimento. Além disso, é fundamental que, havendo maioria à direita do Partido Socialista, esta tenha condições operativas mínimas e não esteja sujeita ao festival da asneira e do excesso que veio sistematicamente das bandas do Chega. Só o Chega pode dizer o que quer fazer. Só o Chega pode decidir o que faz.

Nesta curtíssima legislatura, o governo e a maioria dos deputados da AD agiram por forma a recuperar boa parte da confiança que havia sido perdida. Houve muitos deputados do PSD nesta boa intervenção parlamentar, mas creio que o principal contributo veio dos deputados do CDS (João Almeida e Paulo Núncio) e, em especial, de Paulo Núncio, líder parlamentar. Ou seja, apesar das dificuldades e incerteza do actual momento político, há condições para a AD ver crescer a sua votação (seria justo que isso acontecesse), para o PS baixar, assim como a esquerda (seria merecido). O Chega talvez baixe, como resultado dos seus excessos.

Será difícil que a AD, ou a AD e a IL, tenham a maioria sozinhos. E o Chega pode voltar a estar em posição de decisão, como nesta legislatura. Ora, há várias formas de fazer política e de contribuir para o país. Cada um tem sempre a exclusiva responsabilidade de ler o tempo e a sua vontade. Nenhuma vontade depende do outro; a vontade de cada um só depende de si. Se André Ventura quer replicar o “não é não” com o seu próprio “não é não”, dizer que a sua orientação política é “não é não” à AD – tem de o dizer claramente. Se a sua política é considerar o líder da AD seu inimigo principal, tem de o declarar. Se a sua linha e a sua preocupação são impedir a AD de servir os portugueses e sabotar o progresso e a defesa de Portugal, tem de o confessar. Cada cidadão cá estará para responder.

Por que digo isto? Porque estou indignado.

André Ventura e o Chega inauguraram o novo período eleitoral, afixando, em grandes outdoors, um cartaz que é um vómito. Não é só exagerado. Nem é só radical. Ultrapassa o admissível. Coloco-o, aqui, para se ver ao que é possível descer a baixeza. Comparar um primeiro-ministro, que viu interrompida uma boa governação, por um escrutínio transformado em campanha, e contra o qual não há uma só acusação judiciária, nem sequer processo pendente, com outro ex-primeiro-ministro que entregou Portugal ao abismo da bancarrota e ao chamamento da “troika” e que é acusado de crimes muito graves, a cujo julgamento, jogando à rabia com a Justiça, tenta fugir há mais de dez anos – é uma ignomínia que não tem medida, nem será possível esquecer. Não é só um insulto cobarde a Luís Montenegro. É também vergonhosa amnistia de José Sócrates.

Se tiver um mínimo de critério, André Ventura mandará retirar estes cartazes. E passará a usar o pensamento para pensar em Portugal. Pensar bem. Pensar no bem comum. Não pensamento vocal. Mas pensamento donde vem: do espírito, da inteligência e do coração.

Um cartaz velhaco, que qualifica e enxovalha os seus autores