O fenómeno foi identificado por causa de uns ovos estrelados. Nos anos 80, Pat Schroeder, eleita pelo Partido Democrata para a Câmara dos Representantes, estava a fazer uns ovos numa frigideira feita de Teflon, um material anti-aderente, quando teve um momento eureka: subitamente, percebeu que o então Presidente Ronald Reagan era como o Teflon, nada se agarrava a ele. Nem escândalos, nem polémicas, nem decisões erradas — nada. E assim, saída diretamente de uma cozinha, entrou para as enciclopédias a expressão “político Teflon”.
Há muitos em todo o mundo. Mark Rutte, que foi primeiro-ministro da Holanda a partir de 2010 e que agora decidiu abandonar a política, recebeu a alcunha “Teflon Mark”. Em Inglaterra, Boris Johnson chegou a ser chamado de “Teflon Bojo”. E o primeiro-ministro canadiano responde pelo nome, neste momento pouco original, de “Teflon Trudeau”.
E nós temos, claro, “Teflon Costa”. O primeiro-ministro chegou ao poder louvando as maravilhas de uma aliança com o PCP e o BE e depois pediu uma maioria absoluta amaldiçoando uma aliança com o PCP e o BE — e o que é que lhe aconteceu? Nada. O primeiro-ministro prometeu “virar a página da austeridade” e depois manteve cativações férreas na aplicação dos Orçamentos do Estado aprovados pela geringonça — e o que é que lhe aconteceu? Rigorosamente nada. O primeiro-ministro dividiu o mundo político em dois blocos incomunicáveis da esquerda e da direita e, ao mesmo tempo que pedia votos e apoios à esquerda, aplicava medidas draconianas de controlo do défice e da dívida — e o que é que lhe aconteceu? Absolutamente nada. O primeiro-ministro nacionalizou a TAP, atirou lá para dentro 3.200 milhões de euros e agora quer voltar a privatizar a empresa — e o que é que lhe aconteceu? Nada de nada. O primeiro-ministro perdeu um governante por indecente e má figura, perdeu um secretário de Estado Adjunto por uma acusação do Ministério Público, perdeu um secretário de Estado da Defesa por suspeitas de corrupção — e o que é que lhe aconteceu? Nadinha. Algumas das últimas sondagens mostram que 77% dos inquiridos entendem que houve uma interferência política negativa na gestão da TAP, que 71,3% defendem uma remodelação governamental profunda e que a maioria dos portugueses entende que o principal problema do país é o próprio governo, à frente da inflação, da corrupção e da saúde — e o que é que lhe aconteceu? Exato: nada.
Escrevi que não aconteceu “nada” a António Costa por mera facilidade de expressão, porque na verdade aconteceu muita coisa: ganhou uma maioria absoluta e, depois de crises, demissões e solavancos, continua a aparecer em primeiro lugar na maioria das sondagens. Ainda esta semana, o barómetro do Correio da Manhã dá o PS em primeiro lugar nas intenções de voto, com o brinde de uma curta mas significativa subida de 0,1%.
António Costa tem usado uma ideia feita e gasta para explicar este fenómeno. Segundo ele, há uma enorme dissonância entre a “opinião pública” e a “opinião publicada”, sendo os comentadores políticos um grupo de alienados que vivem, respiram e conspiram numa bolha que começa no Príncipe Real e acaba no Chiado, tristemente afastados das preocupações e opiniões do “país real”. Mas, ao dizer isto, o primeiro-ministro está a ser modesto. Não há aqui um vício dos comentadores — há uma virtude de António Costa, que se transformou num político anti-aderente.
Naturalmente, é possível derrotar um “político Teflon”, mas isso exige muito tempo, alguma sorte e bastante perseverança. Tendo em conta todas essas dificuldades, a História mostra que a melhor forma de tirar um “político Teflon” do poder é a aposentadoria. Há três grandes razões para alguém sair de um governo e calçar as pantufas: o limite de mandatos, o cansaço ou uma reforma dourada. A primeira não se aplica a António Costa porque a nossa Constituição permite que um primeiro-ministro fique indefinidamente no poder caso tenha vontade e votos; já as outras duas poderão ter-se juntado para levar o líder do PS a indiciar que não pretende recandidatar-se em 2026 — Costa é primeiro-ministro em altas rotações desde 2015 e, claramente, gostaria de dar a Bruxelas o privilégio de poder privar com a sua excelsa pessoa.
Saber que António Costa está no seu último mandato como primeiro-ministro resolve um problema do PSD e da direita: em princípio, não terá que enfrentar novamente o “político Teflon”. Mas, ao mesmo tempo que resolve um problema, apresenta uma dúvida angustiante: e se, ao longo destes últimos anos, o PS se tiver transformado num “partido Teflon”, que mantém os seus poderes anti-aderentes independentemente da liderança?
Desde 1974 que o PS aspira a ser o partido natural de Governo. E desde 1976 que, olhando para o mapa de resultados das primeiras legislativas, o PS se comporta como o único partido verdadeiramente nacional , por ter uma maior capacidade de ganhar eleições em todo o território. A dada altura, Francisco Sá Carneiro ambicionava ter “um governo, uma maioria e um Presidente”. Os socialistas não tinham três pedidos, tinham apenas um: ter “um partido”. Um partido que pede votos à esquerda e ganha votos à direita. Um partido inevitável, que acompanha a nossa vida em todos os momentos, do berço à cova. A direita portuguesa só tem até 2026 para perceber como é que se derrota um “partido Teflon”. É capaz de não ser fácil.