O Parlamento Europeu disponibiliza fundos aos deputados para empregarem assessores. Houve partidos que usaram esses fundos, não para pagar trabalho parlamentar em Bruxelas, mas trabalho partidário nos respectivos países. O partido de Marine Le Pen, a líder da oposição em França, foi um deles, e um tribunal francês condenou-a por isso. Os factos que a justiça deu como provados não resultaram, para Le Pen, em qualquer ganho pessoal (ao contrário do caso de François Fillon, em 2017): tratou-se de usar o dinheiro recebido para um fim diferente. Mas não é isso que se discute. O que se discute é a decisão da juíza, invocando um bizarro risco de “reincidência” e “perturbação da ordem”, de privar Le Pen de direitos políticos por cinco anos, com efeito imediato. A intenção foi clara: impedir Le Pen de concorrer às eleições presidenciais de 2027, para que era favorita. Uma autêntica pena de morte política.
É muito provável que instâncias judiciais superiores venham a concluir que a juíza se excedeu. A dúvida é saber se o farão em tempo útil, de modo que esta sentença não condicione, como a juíza pretendeu, as próximas eleições. Mas o problema não são os juízes, nem a suposta “judicialização da política”. A juíza até pode ter simpatias de extrema-esquerda, como alguns alegam, mas sem a lei, nada poderia ter feito. A questão, portanto, é a lei que permite a aplicação desproporcionada da pena de morte política a este tipo de delito. Ora, a lei não é feita pelos tribunais, mas pela assembleia legislativa. A classe política, como vários comentadores em França já notaram, pode mudar a lei. Se o não fizer, é legítimo concluir que lhe convém uma sentença que afasta Le Pen das eleições presidenciais. É deste ponto de vista que esta sentença é uma questão política.
A candidatura de Le Pen, depois de condenada, seria um problema para o seu partido. A proibição da sua candidatura por via de uma sentença discutível, baseada numa lei também discutível, é um problema do sistema político. Le Pen anda há anos a ser demonizada pela classe política em França. Essa campanha inspirou todos os outros partidos a colaborarem, aproveitando o sistema eleitoral, para lhe negar representação (em 2017, com 13% dos votos, a Frente Nacional tinha 8 deputados, enquanto o Partido Socialista, com 9,5%, tinha 45). Agora, levou muita gente a festejar o golpe da juíza. É esse o risco de fobias como a que a classe política tentou criar contra Le Pen: se o “inimigo” é assim tão abominável, então vale tudo para o abater. É o momento em que a democracia começa mesmo a correr perigo: quando aqueles que estão no poder se sentem autorizados, em nome do “bem”, a usar ou a deixar usar leis e instituições de modo perverso. Nos EUA, procuradores de esquerda tentaram parar Trump nos tribunais. Mas nos EUA, não há pena de morte política. Em França, há.
Não é preciso estar do lado de Le Pen para estranhar tudo isto. O primeiro-ministro, François Bayrou, tem dúvidas, e até o líder da extrema-esquerda, Jean-Luc Mélenchon. Percebe-se porquê. Se a classe política francesa não mudar a lei, vai parecer que, incapaz de persuadir o eleitorado, aproveitou o poder judicial, como na Roménia, para privar os eleitores de alternativa. Na Rússia ou na Turquia, todos sabemos o que significa a “justiça” acusar e mandar prender um líder da oposição. Em França, queremos acreditar que os tribunais são independentes e se limitam a aplicar a lei. Mas se a lei serve para justificar sentenças desproporcionadas, cujo efeito não é fazer justiça, mas sujeitar a oposição a derrotas de secretaria, vai ser difícil de desmentir o ditador que disser que não faz nada que não seja feito em França.