Perante a Ucrânia, há duas atitudes possíveis. Uma é fechar os olhos, tapar os ouvidos, encher o peito de indignação moral e geoestratégica, e gritar muito alto que Trump é um “agente russo”. A outra é tentar perceber o imbróglio que Trump, bem ou mal, está a procurar resolver. Experimentemos, por uns minutos, esta segunda atitude.
Em 2012, Barack Obama riu-se muito quando Mitt Romney lhe disse que a Rússia de Putin era um perigo. Em 2014, Putin pôde começar a invadir a Ucrânia, perante a esplêndida indiferença de Obama e de Merkel. Em 2022, o tirano russo deduziu que teria licença ocidental para consumar a ocupação. Talvez tivesse tido, não fosse a resistência de Zelensky, que surpreendeu toda a gente. Biden e os europeus sentiram-se obrigados a manter a Ucrânia à tona da água, mas apenas o suficiente para não se afogar. Forneceram-lhe armas, mas não todas as que precisava e sem deixarem que as usasse com todo o impacto. Castigaram Putin com discursos, mas prosseguiram, directa ou indirectamente, os negócios com a Rússia.
Vou agora acusá-los de cobardia e falta de visão? Vou dizer, como a gente sábia diz de Trump, que eram “agentes da Rússia”? Não. Vou admitir que Biden, Macron, Scholz e os outros souberam sempre que derrotar Putin implicava, não apenas o risco de uma guerra entre potências nucleares, mas uma transformação dos Estados ocidentais para a qual as respectivas sociedades não estão preparadas. Desde meados do século XX, o Ocidente construiu Estados em que a despesa é sobretudo “social”. Uma guerra com a Rússia subverteria este tipo de Estado. Os governos europeus já resistem a elevar os gastos militares para 2% do PIB. Imaginem como seria se os tivessem de subir para 20% ou mais. Poderia recorrer-se à dívida, como agora se propõe fazer a Alemanha. Mas a maior parte dos Estados já tem dívidas tão grandes como as que, no passado, só as guerras causavam. Uma guerra seria uma revolução no Ocidente.
Mas era para essa guerra que a situação na Ucrânia se estava a encaminhar. A opção ocidental de uma guerra limitada criou um triturador de carne à maneira da I Guerra Mundial. Com isto, Biden, Macron e Scholz puseram a Rússia, que tem mais carne para triturar, em vantagem. A necessidade de enviar tropas para prevenir o colapso da Ucrânia já apareceu no horizonte. Macron atreveu-se a mencioná-la. Só que ninguém tem soldados em número suficiente, nem está disposto a suportar as baixas daquela guerra.
A Ucrânia de Zelensky provou muita coisa. Quem dizia que não era uma nação, como o ditador Putin, foi desmentido onde mais importa, no terreno. Infelizmente, a Ucrânia não tem recursos nem aliados para uma guerra dispendiosa e sem fim. No ano passado, os jornais de referência ocidentais começaram a admitir concessões territoriais à Rússia e a descontar até uma garantia da NATO à Ucrânia. Mas nenhum político se atrevia a reconhecer isso, porque o apoio incondicional à Ucrânia estava a ser usado pelo establishment para embaraçar os “populistas”. Todos ficaram assim à espera de Trump.
Não é difícil perceber Trump: não lhe convém uma segunda retirada do Afeganistão, como a que consumiu a credibilidade de Biden em 2021, mas também não lhe interessa uma guerra com a Rússia, para que ninguém está pronto. A alternativa é um acordo. Para desempenhar o papel de árbitro, Trump precisou de renunciar ao papel de protector de Zelensky. Na Europa, fez-se um grande escândalo. Havia por aqui quem julgasse que tinha descoberto a guerra grátis: os ucranianos morriam, os americanos pagavam, e os europeus falavam. Mas não são só os almoços que nunca são grátis: as guerras também não. Posto isto, Trump pode falhar. Mas julguemo-lo pelos resultados.