Lembro-me da conversa e do esgar da mulher, há vinte anos, num jantar, quando lhe disse que fazia planos. Os jantares são a ocasião ideal para o cinismo. Ela riu-se e fez pouco da ideia. “Os adultos não fazem planos, não há maior disparate.” Todos concordaram. Os planos supunham, como continuam a supor, a possibilidade e a perenidade das promessas.

Promessas de amor, às pessoas com quem os fazemos. Promessas para connosco. A mulher e os outros adultos troçavam de promessas e do futuro e dos planos. Orgulhosa do seu saber de experiência feito, mais nova do que eu sou hoje, asseverou que só fazia planos de mês a mês e sorriu, trocista, da minha expressão de esperança. A ideia ainda me parece estúpida, embora só um pouco, muito pouco menos, ainda não me verguei ao mundo dos jantares e dos adultos, já vou tarde para imaginar que me rendo, e já tive a minha dose brilhante de planos monumentalmente desfeitos pela vida, pela doença, pela morte, pelo imprevisto.

Mas quanto mais os planos se vão desfazendo mais gozo me dá agarrar-me a eles. Continuo a planear e a sonhar, actividades que hoje me parecem uma resistência ao presente. Ainda hoje, como no dia daquele jantar, não acredito que a inteligência advirta contra os planos e os sonhos. Que é a inteligência, aliás, se não um subterfúgio, tanta vez, para o cinismo? Então, sonho, escrevo, ganho a vida a sonhar e a planear uma vida para mim e para os outros, que outra coisa é um escritor?

O meu pai costumava contar a história de eu ser menina e estarmos a ver televisão e ele dizer, ao ouvir um político, “Olha para ele a mentir com os dentes todos”, e eu responder, “Mas ele não é um político? Ele pode mentir?” Passou trinta e muitos anos a repetir esta história, o meu pai, que a considerava exemplo do lado bom da vida, da minha ingenuidade e da possibilidade da ingenuidade, por oposição ao cinismo que se aprende com a idade.

Regresso hoje a esta história diante do lugar-comum de que só os estúpidos e os fracos planeiam a vida, pensando, pelo contrário, que fora do mundo das conversas de circunstância e dos jantares de adultos, não é sinal de fraqueza crer na perenidade subentendida pelos planos.

Planeio e sonho, logo resisto. Diante da arbitrariedade agressiva, continuo a crer que para o ano, e para o outro, e o outro, ainda aqui estaremos e que estaremos, ainda, juntos. Sonho a minha vida e a vida dos que me rodeiam, a vida daqueles que crio. Não resisto à maldade e à fealdade das criações humanas, resisto à estupidez da vida e dos seus revezes. Não sonho contra ninguém. Sonho contra a vida e as suas lições cínicas.

Planear é trocar as voltas ao destino, ainda que o destino leve quase sempre a melhor. Ter a ousadia de imaginar o que farei daqui a cinco anos, imaginar que continuarei viva e próxima dos meus, é dizer à vida que ainda não desisti, apesar da sua eficácia, indiferente aos nossos cálculos, em determinar a minha tolice. Prefiro a tolice ao cinismo e o sonho ao pragmatismo.