A próxima campanha presidencial vai ser almirantocêntrica: os candidatos que vão avançar e desistir, o desenho da campanha e os próprios temas em debate vão girar em torno do almirante. Todos vão ser adversários de Henrique Gouveia e Melo, incluindo o próprio, que parece ser nesta altura o potencial principal adversário de si mesmo. Com tão boa cotação nas sondagens, o principal objetivo do almirante passará a ser resistir à tentação de dizer mais o que pensa e menos o que os eleitores querem ouvir.

A última sondagem continua a sorrir ao almirante, que tem 28% dos inquiridos a dizer que votariam nele com firmeza e mais 29% que admitem votar nele — o que eleva o potencial de voto para 57%. O estudo de opinião é complexo porque não é excludente: os eleitores podem escolher mais do que um candidato sem preterir os restantes. Isto faz com que os dois potenciais lead candidates de PS e PSD tenham resultados aparentemente dececionantes, mas na prática tenham um potencial de voto muito elevado: o de Mário Centeno é de 43% (17% com firmeza, 26% no “talvez”) e o de Marques Mendes é de 40% (15% com firmeza, 25% no “talvez)”. Numa sondagem normal, qualquer candidato com este potencial de voto arriscaria a ser Presidente.

Os valores das sondagens permitem já ver com alguma solidez que o almirante Henrique Gouveia e Melo é favorito e que o balão, como alguns vaticinavam, não se esvaziou. Mostram, no entanto, que nada está decidido. E que a pré-campanha e a campanha podem ser fundamentais para definir quem será o próximo Presidente da República. Estas duas constatações mostram que o caminho até às eleições vai ser: todos ao ataque o almirante, numa tentativa de chegar à tona, enquanto Henrique Gouveia e Melo, à superfície, só terá de se defender. Isso transforma as palavras que disse um dia a uma assessora de Marta Temido — e que revelou, em dezembro, numa conferência na Gulbenkian — numa ironia poética: “Sou submarinista, só sei atacar”.

Os outros candidatos vão atacar Gouveia e Melo por ser militar e por não ter uma experiência política que lhe permita dominar algumas das funções presidenciais — como ser árbitro no jogo partidário ou, imagine-se, avaliar a necessidade de pedir a fiscalização da constitucionalidade de um diploma. Além de tudo isto, o almirante vai ser atacado por tudo o que ainda não disse. Já está, aliás, a ser pelo que disse.

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Gouveia e Melo alinhou na sexta-feira pela bitola do secretário-geral da NATO, Mark Rutte, e admitiu que para haver um maior investimento em defesa será necessário existir “afetação” das despesas sociais. Chegou a deixar a pergunta: “O que interessa termos despesas sociais se não tivermos país?” Aí, ao ataque, o almirante quis mostrar que num cenário de guerra o país teria vantagens em o ter como líder.

Ainda que de uma forma sublime, o posicionamento do almirante fez lembrar o chamado “anúncio do telefonema das 3 da manhã” utilizado nas primárias democratas de 2008 por Hillary Clinton. Num vídeo de 30 segundos, a candidata sugeria que era a pessoa indicada para atender o telefone às três da manhã na Casa Branca caso fosse necessário resolver uma crise mundial. Mais do que um auto-elogio, nas entrelinhas Hillary desqualificava o seu adversário mais direto (Barack Obama) — que então a acusou de jogar com o “medo das pessoas”. A democrata não ganhou, mas o anúncio foi considerado dos mais eficazes na campanha.

A sugestão de Gouveia e Melo é mais eficaz se se olhar para outras questões (que nada têm a ver com presidenciais) da sondagem que lhe dá o favoritismo. Diz esse mesmo estudo de opinião que maior medo dos portugueses em 2025 é a III Guerra Mundial, sendo essa a principal preocupação de 35% dos inquiridos, muito à frente do segundo maior medo (uma crise económica, que é preocupação de apenas 9%). Os méritos deste ataque de Gouveia e Melo só se verão mais tarde, mas estas declarações foram também o gatilho para que Marques Mendes (e também Mariana Mortágua e Ana Gomes) o atacassem e o acusassem de inverter prioridades ao admitir desviar verbas das prestações sociais para a indústria da Defesa. Aí está a pré-campanha já a girar em torno do almirante.

O esforço dos adversários, percebe-se, é jogar com outro medo: o do corte nas despesas sociais — que também é uma preocupação de uma boa fatia do eleitorado. Estaria o almirante, se fosse necessário,  disposto a defender o corte no subsídio de desemprego? Ou, pior ainda, das pensões? Isso Gouveia e Melo não disse. Mas, mesmo não sendo candidato a um cargo de poder executivo, dificilmente chega a 2026 sem ter explicar onde é que podia cortar para aumentar o orçamento da Defesa. E aí, Gouveia e Melo corre o risco de ser o principal adversário de Gouveia e Melo.

O almirante voltou também a defender — numa edição especial do podcast Expresso da Manhã — o Serviço Militar Obrigatório (SMO), que é, desde logo, impopular junto de outra fatia do eleitorado: os jovens. Nesse caso, mais à defesa, o almirante não quis explicar que modelo defendia, embora tivesse dado como exemplo a Suíça e a Suécia — modelos que são diferentes, o que não permite extrair a ideia que tem na cabeça. O ex-Chefe do Estado-Maior da Armada vai ter, mais tarde ou mais cedo, de explicar exatamente o que defende. E aí corre o risco de perder o voto jovem, eventualmente o mais perturbado (e visado) com a hipótese de um regresso ao SMO.

Apesar de ter falado, no total, menos de quinze minutos, Henrique Gouveia e Melo ainda foi a tempo de alertar para os perigos da presidência de Donald Trump e como as suas alegadas ambições (relativamente à Gronelândia e ao Canadá) podem afetar a estabilidade do espaço NATO. Perderá, eventualmente, os votos dos entusiastas MAGA em Portugal, mas esses, pela ordem natural das coisas já terão em quem votar (no candidato André Ventura). Junto dos anti-vax, como se imagina, Gouveia e Melo também não colhe simpatias.

O próprio Ventura — que tem feito as últimas eleições girar em torno dos temas que define e da sua agenda — terá em Gouveia e Melo uma dificuldade extra. A sua simpatia inicial por Gouveia e Melo será difícil de inverter, mas terá que, em algum momento, entrar no tiro ao almirante sob pena de ficar arredado da linha da frente do combate. Não será ele, desta vez, a novidade nem o centro das atenções, o que vai exigir um esforço adicional. Ainda para mais, no sistemómetro não há forma de um líder partidário provar que está mais fora do sistema do que um militar que nunca ocupou um cargo político.

Em cada cálculo, em cada movimento, quem quiser realmente ganhar tem de pensar em como derrotar Gouveia e Melo. O almirante tornou-se o elemento inevitável, o início e o fim do debate presidencial. A continuar numa trajetória ascendente pode entrar num cenário insólito: o de só Gouveia e Melo poder derrubar Gouveia e Melo. Até este texto é a prova disso: é sobre as presidenciais de 2026 e, inevitavelmente, gira em torno do almirante.