Há cínicos que encontram um grande relativismo no silêncio de Jesus diante da pergunta de Pilatos: “o que é verdade?” Geralmente o argumento segue deste modo: se Jesus não quis simplificar o que a verdade era, respondendo a Pilatos, nós também não podemos estar tão certos assim do que a verdade é.
Acontece que Jesus não disse o que a verdade era porque a pergunta de Pilatos era baseada num esquema de ausência dela. Explico. Pilatos não estava interessado em que Jesus lhe apresentasse a verdade. Pilatos já tinha a verdade apresentada a ele em carne e osso porque Jesus era a verdade. Pilatos estava interessado em que Jesus o ajudasse a safá-lo da pena de morte. Afinal, dissabores poderiam vir de Jesus morrer e, por outro lado e de uma perspectiva mais familiar, a mulher de Pilatos chateava-o para que Jesus não sofresse, à custa de um sonho que tivera—nunca subestimemos um pedido de uma esposa aflita. Mais do que saber a verdade, Pilatos queria safar-se dos riscos de condenar Jesus à morte, fossem eles públicos ou privados. Pilatos não queria a presença da verdade, Pilatos queria a ausência do problema.
E Pilatos pediu o que pediu, e falou o que falou, perguntando “o que é a verdade?”, a partir do desejo que tinha de não viver aquele aperto. Quando fazemos o que fazemos para fugir do aperto, não estamos, de facto, interessados na verdade. Quando fazemos o que fazemos para fugir do aperto estamos até abertos à possibilidade de uma mentira. Se uma mentira fizer o aperto desaparecer, mentiremos sem problemas. Logo, Pilatos perguntando “o que é a verdade?” pode estar razoavelmente aberto à mentira. Talvez seja por isso que Jesus nada lhe respondeu.
Como podia Jesus, a palavra criadora feita pessoa, prestar-se a dizer a verdade a um homem que, para se safar, até à mentira daria as boas-vindas? O silêncio foi a resposta mais eloquente porque responder a uma pessoa que finge querer a verdade é apenas dar-lhe sons que de nada servem. E Jesus não estava para dar música ambiente a Pilatos. Quando dizer a verdade é apenas banda sonora para cínicos, mais vale a boca ficar fechada. E fechada ficou a boca de Jesus.
Vivemos tempos de mentira. Numa conversa que o Telegraph teve com o Jordan Peterson voltei a lembrar-me disso. Os nossos tempos são de mentira porque foram consagrados a safarmo-nos todos o melhor que conseguimos. O que nós queremos é vivermos sem problemas e pessoas que têm a moral maior em evitar problemas são pessoas mentirosas, ainda que não andem conscientemente a mentir.
Sim, vivemos tempos diabólicos. O Diabo reina no nosso tempo não porque a multidão mata e destrói mas tão somente porque a multidão quer, acima de tudo, evitar problemas. São as pessoas que querem evitar problemas que podem fazer até perguntas existenciais como “o que é a verdade?” E são precisamente essas as pessoas com quem não vale a pena gastar uma sílaba. Já viram que coisa triste será se um dia acerca de nós se disser: “esta pessoa sabia evitar problemas!” Teremos numa vida sem grandes sofrimentos adquirido a qualidade de nos tornarmos grandes mentirosos.