Como eram os nossos antepassados em 1842? Seriam astutos, teriam pêlos nas orelhas? Para apurar se havia astúcia talvez ainda tenhamos conhecido quem tivesse conhecido quem os tivesse conhecido, ou haja em qualquer lado evidência de coisas astutas que fizeram. Agora para saber se tinham pêlos nas orelhas só com muita sorte é que alguém ainda se lembrará. A alternativa seria examinar retratos deles. No entanto, antes de 1842 havia poucas pinturas ou desenhos de pessoas que tivessem realmente existido.

Fazer retratos foi até cerca de 1842 um costume incerto e caro.   A julgar pelos resultados, a maior parte dos portugueses retratados (mas não dos espanhóis) sofria de uma mutação genética que fazia com que as suas mãos se contorcessem horrivelmente, e os polegares fossem sempre maiores que os dedos médios. Um pouco antes de 1842 as fotografias começaram lentamente a desmentir essa teoria. Passaram a chegar-nos muito mais retratos, e mais baratos de fazer. Muitas dessas imagens foram guardadas e estão hoje identificadas nas nossas casas.  Com o tempo foi-se tornando possível a cada vez mais pessoas saber que ar tinham os seus trisavós.

As imagens fotográficas de gente em 1842 competem com outras imagens de gente em 1842, em filmes por exemplo. Mas nos filmes sobre 1842 o que temos é pessoas a fazer de pessoas de 1842. Quando pensamos em como eram as pessoas em 1842 pensamos regra geral em como eram as pessoas dos filmes sobre 1842. Sendo os filmes todos bem feitos, quem neles faz de pessoa fá-lo sempre apropriadamente. Os pobres dos filmes parecem-se com pobres, os ricos com ricos, e os remediados com ricos. Não há vestígios de pêlos nas orelhas, ou de casacos mal apertados; e as mãos são mãos normais, a não ser que a história do filme seja sobre mãos anormais.

Nas fotografias de 1842, no entanto, as pessoas não são nada como as dos filmes sobre 1842. Os homens, remediados, pobres e ricos, têm a barba mal feita; notam-se imperfeições nas gravatas, e faltam botões nos casacos; as mulheres têm bigode, e os vestidos parecem toalhas esticadas. Quando há espadas ou chapéus de sol é tudo grande, frágil ou desajeitado.  E, coisa estranha e penetrante, praticamente todos têm as unhas sujas.

Saber que os nossos antepassados tinham as unhas sujas dá-nos sobre o passado uma imagem diferente da dos filmes.   Apesar de termos entretanto aprendido a fazer cara de retrato, em qualquer fotografia nossa há uma parte que escapa àquilo que os retratados, e os fotógrafos, aprenderam a fazer.  As unhas sujas dos nossos antepassados iludiram as suas melhores intenções.  A quem agora as contempla desmentem a ideia de descendermos de pessoas pelo menos tão limpas como nós; a ponto de nalguns casos chegarmos a pensar que seria preferível descender de uma pessoa a fazer de antepassado nosso, como num filme.