Não é verdade que a série “Adolescência”, da Netflix, tenha assustado milhões e milhões de pais unicamente por terem descoberto com ela aquilo que se passa nas redes sociais. E no modo como os seus filhos estão expostos a imensos perigos que os pais desconhecem. Sejam conteúdos violentos, sexistas, sexuais, misóginos ou populistas, ou a discursos que lhes chegam através de influencers que os radicalizam e os conspurcam com o mal. Isso assustou-os, claro. Mas aquilo que mexeu, verticalmente, com os pais foi reconhecerem com aquela história que conhecem os seus filhos adolescentes muito pior do que alguma vez imaginaram. Que os conseguem proteger bem menos do que supunham. E que os seus filhos, por mais que sejam bons miúdos, são capazes (por mimetismo, respondendo a desafios ou num impulso) de fazer coisas graves. Por mais que os pais estejam perto deles. E os tenham debaixo de um olhar super-protector, controlador e quase obsessivo.

Mas aquilo que mais os terá interpelado foi darem-se conta que, por mais que tentem ser, todos os dias, bons pais; e por mais que tentem ser melhores que os seus próprios pais, na sua infância, são mais distraídos e mais negligentes do que imaginavam. E, sobretudo, que os seus filhos adolescentes — por mais que, em grupo, pareçam inflamáveis, fugidios, um bocadinho “parvos” ou estar sempre a testar os limites — são, muitas vezes, miúdos muito sozinhos. Assustados. E desamparados. Que esperam o colo, o carinho e os cuidados dos pais. (Por mais que peçam tudo isso de forma trapalhona.) Mas que, porque eles e os pais parecem falar idiomas distintos, se desencontram muito mais vezes do que todos desejam.

E tê-los-á assustado porque, também, eles reconheceram que, muitíssimo tempo antes dos 16, terão permitido que os seus filhos tenham acedido a rede sociais e a conteúdos para maiores de 18. E reviram as suas pequenas negligências em relação aos tempos de família, que não lhes exigem, ou à forma como condescendem que se barriquem no quarto ou num silêncio e numa solidão que os pais tomam como “idade parva”, e é só dor. E que se tenham dado conta que, aos 10, aos 11 ou aos 12 eles já sejam, para efeito de redes sociais, maiores, tal é a forma como acedem a jogos a dinheiro, a lavagens cerebrais ou a conteúdos que lhes estariam vedados. E que circula, entre os grupos de WhatsApp de adolescentes, um bullyinguezinho larvar em que as questões da sexualidade são motivo de chacota, de exclusão ou de cancelamento, que magoam e humilham, tudo se passando debaixo da distracção dos pais, por mais atentos que eles se imaginem.

Hoje é muitíssimo mais difícil ser-se mãe ou pai dum adolescente! Porque a cascata de conteúdos ao dispor dos adolescentes exige mais contraditório, mais firmeza e mais empatia. Das famílias. Das escolas. E dos governos. E esses conteúdos cresceram de forma tão exponencial que os adultos parecem ir sempre vários passos atrás dos adolescentes. E, quando muito, a ser capazes só de reagir, sem que, de forma prévia, definam as regras que os protejam.

Depois duma série como esta, fará, ainda, sentido discutir-se a auto-regulação dos adolescentes no seu relacionamento com os écrans (quando nem os adultos a conseguem ter)? Continuará, ainda, a ser supérfluo que os governos evitem definir medidas que protejam os adolescentes, mesmo que as redes sociais sejam o factor de maior turbulência da sua saúde mental?

O que assustou muito os pais foram as suas perguntas secretas, que eles identificaram nos pais da série. Quantos pais conhecem, realmente, os filhos, quando eles crescem? Que utilidade tem o lado frenético e tão “helicóptero” dos pais na forma como imaginam que os controlam, se, a partir do momento em que se tornam adolescentes, sentem que os filhos lhes fogem, aos bocadinhos, por entre os dedos da sua atenção e, em suaves prestações, os vão perdendo? Quantas vezes aceitam os pais o crescimento dos seus filhos se — desde os pontos de vista esdrúxulos com que dão provas de vida, marcadas pela diferença, até a alguns dos seus amigos (que nunca seriam escolhas suas para eles) ou aos caminhos atamancados que, porventura, tomam — eles os desiludem, hoje, 10 centímetros e, amanhã, mais 8 ou 9 e, centímetro a centímetro, se deixam tomar por uma mágoa pequenina que se estende, silenciosamente, sem que ninguém a aligeire e a resgate? Como os pais da série, quantos pais não se perguntam: “onde foi que eu errei”, falando baixinho, para que nem eles próprios, no meio dos seus silêncios, consigam escutar esses lamentos? E quantos pais se sentem, hoje, mais seguros pelo seu “amor incondicional” pelos filhos — que eles imaginam à prova da dúvida e das desilusões e das “parvoíces” que eles façam, e do tom com que respondem torto, e da forma como, até, magoam — se os adolescentes parecem descuidar os pais e, com isso, desamarem-nos, mais (muito mais) do que deviam?

Mas o que os terá assustado, ainda mais, foi reconhecerem que os adolescentes são miúdos bons! Talvez sem tantas referências tão fortes, esclarecidas e tranquilas como deviam ter, indispensáveis ao seu crescimento, que lhes tragam o contraditório de que eles precisam para que sejam capazes de separar o lixo digital dos factores que lhes dêem motivos para crescer.

Mas, muito pior que as redes sociais, é a forma como os pais, com benevolência mas com muitas pequenas negligências, reconhecem (de coração apertado) contribuir para que os adolescentes pareçam tornar-se egocêntricos, egoistas e narcísistas como parecem ser. E tão pouco capazes de convier com frustrações e de crescerem com os “nãos”. E porque são demasiado protegidos, que pareçam fazer parte duma “geração queixinhas”, onde qualquer pontinha de tristeza se transforme numa depressão. Um tudo-nada de ansiedade num episódio de pânico. E um medo passageiro numa crise irreparável de auto-estima. E – à conta de serem tão sedentários e de viverem tão solitários – que tenham aprendido tão mal a usar a agressividade de forma urbana e, por isso, se tornem mais impulsivos e mais violentos. Mais silenciosos e mais fechados. E porque são tão mais educados mas tão mais confinados em prisões digitais, pareçam uma torre de Babel com o limiar de atenção dum peixinho vermelho.

O que a série “Adolescência”, da Netflix, trouxe aos pais foi a urgência de acordarem para a adolescência dos filhos. Para que não se desencontrem dela. E para que não se percam deles.

Podem os bons pais criar “maus filhos”? Podem! Basta só que sejam mais distraídos do que imaginam ser. E basta que os pais deixem de sentir aquilo que eles falam nas entrelinhas. E que fiquem à espera que os adolescentes venham ao seu encontro antes, ainda, dos pais lerem, por eles, os seus silêncios.

PS. – Enquanto os governos entendem que não é urgente regularem os conteúdos digitais a que os adolescentes têm acesso, é legitimo que se afirme que a sua negligência para como os adolescentes — gravíssima! – -os coloca ao nível dos maus que os radicalizam. Sendo, por isso, coniventes. Estranhamente coniventes com eles. E, por isso, merecedores do nossa mais aguda indignação.