A natalidade está, há décadas, em declínio por todo o mundo, convergindo para valores inferiores ao rácio necessário para manter a população estável. Os países mais pobres, sobretudo no continente africano, continuam a reproduzir-se a taxas mais elevadas, mas situam-se na mesma trajectória descendente.

Tudo sugere que estaremos perante uma tendência universal, à volta da qual se registam diferenças de grau, mas não de sentido, tal como parecem confirmar as projecções da ONU até ao fim do século.

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Uma das consequências desta tendência tem sido a diminuição crescente do número absoluto de crianças. Focando no grupo até aos 5 anos, aquilo a que se assiste, também como tendência universal – de que se exceptuam, mais uma vez, os países mais pobres –, é que o número de crianças nesse escalão etário há muito que está em diminuição (sobretudo nos países mais afluentes). Por curiosidade, em Portugal, o pico destas crianças foi atingido em 1965, mas em vários países europeus tal aconteceu mais cedo, incluindo na década precedente.

Estas tendências aparentam até reflectir um processo de ajustamento da Natureza à insustentabilidade do crescimento exponencial da população que se verifica desde o século XVIII.

De facto, as projecções demográficas da ONU apontam para a estabilização, ou mesmo regressão, da população mundial durante este século. O que, podendo ser uma boa notícia em termos de sustentabilidade da Natureza, acarreta problemas incontornáveis para o futuro das sociedades.

Outra tendência universal é o aumento da esperança média de vida, que se traduz numa crescente proporção de idosos na população. O que também contribui para atenuar o decréscimo populacional induzido pela quebra da natalidade por daí resultar uma maior sobreposição de coortes etárias. 

Mas, desta alteração da composição etária da população, resulta também um aumento dos rácios de dependência de idosos (65 e mais anos), face à população em idade activa (15-64 anos), que são a variável crucial para a sustentabilidade dos sistemas de reforma. Esta tendência só ainda não é marcadamente universal – embora seja dominante nas sociedades mais afluentes – porque, nos países mais pobres, a ainda elevada natalidade, apesar de declinante, tende a compensar o aumento do segmento mais idoso.

Note-se que, nas sociedades mais afluentes, estes rácios teóricos de dependência subavaliam a realidade, pois que a idade verdadeiramente activa começa, dominantemente, em idades mais avançadas do que a usada no conceito estatístico.

A única – e necessária – forma de alterar este rácio é prolongar a idade activa, acima dos nocionais 64 anos que actualmente a delimitam (reduzindo o numerador e aumentando o denominador da fracção). O “espelho” desse rácio na equação de sustentabilidade da Segurança Social é o rácio entre contribuições por trabalhador (ou parafiscalidade social) e pensão por pensionista. Se o rácio da dependência se agravar, o “espelho” implica que cada activo passe a contribuir mais para o sistema e/ou cada pensionista passe a receber menos de pensão. Não há terceira via! Entre nós, a introdução do factor de sustentabilidade na reforma da Segurança Social de 2007 tem atenuado este risco, ao estender, na prática, a idade activa.

Mas, para além do impacto na sustentabilidade da Segurança Social, estas tendências implicam também outras consequências. Por um lado, reflectir-se-ão em mais e mais prolongadas morbilidades, com consequente pressão sobre os sistemas de saúde e seu financiamento. Por outro lado, levarão as empresas a ter que se adaptar ao envelhecimento activo, ajustando a sua organização laboral e o formato das carreiras laborais (para curvas com segmento final declinante), de modo a absorver trabalhadores mais idosos. E, numa perpectiva mais alargada, levarão a um incremento dos movimentos migratórios e uma substancial redistribuição geográfica da população mundial (e subjacentes bases culturais). Não sendo de excluir um ciclo de possível decrescimento económico.

Quanto à prospectiva redistribuição geográfica das populações, as projecções centrais da ONU sobre a estrutura demográfica do mundo, sem migrações, até ao fim do século, ilustra a diferenciada dinâmica geográfica que se pode esperar.

A Europa, como continente mais afluente, é onde estas tendências adversas são mais pronunciadas, como é evidente nos vários gráficos apresentados. E Portugal, dentro da Europa, está também no lado mais adverso destes movimentos. Para não sobrecarregar o artigo com mais gráficos, refiro apenas que, em termos de dependência de idosos, Portugal (38.2) é o que apresenta o segundo pior rácio, a seguir à Finlândia (38.3), mas pouco diferenciado de países como Itália, Grécia, Croácia e Alemanha, todos com rácios de 36 ou mais. Isto decore também de ter a quarta mais elevada esperança de vida aos 65 anos (86 anos). Em termos de fertilidade, Portugal (1.5) está num grupo de 15 países com taxas entre 1.4 e 1.6, que são muito próximas. E tem a segunda idade mediana (46). Ou seja, é um país em envelhecimento, porque tem menos nascimentos, mas também porque, felizmente, as pessoas vivem mais tempo.

Apesar da prática inevitabilidade do caminho que acabo de descrever, não vejo que a sociedade ou o sistema político estejam a dar a devida atenção aos problemas que tal caminho permite antecipar. Parece haver mais empenho em tentar inverter o que parece irreversível – a baixa da natalidade, por exemplo, porque, sendo uma tendência universal espontânea, não creio que seja reversível com políticas públicas nacionais –, do que nos remédios para os problemas que estas tendências trazem, atenuando as suas consequências e evitando que a procrastinação as faça precipitar numa crise socialmente disruptiva, e nomeadamente: preparar o envelhecimento activo, preparar as contas públicas para o esperado aumento da despesa com o envelhecimento, assegurar a sustentabilidade da segurança social, promover o aumento da produtividade que compense o declínio da disponibilidade de trabalho e definir políticas de imigração sustentáveis

Nota: A fonte da informação usada nos gráficos são as estimativas e projecções demográficas da ONU (2024)