Nem sempre a direita foi favorável aos mercados livres. Salazar era um proteccionista e a economia portuguesa, debaixo da sua batuta, foi condicionada e disciplinada por normas corporativas. A defesa que André Ventura fez das tarifas, num dos debates em que já participou, não caiu do céu. É uma crença antiga a que Ventura e seus acólitos simplesmente colocam novas vestes. Fora isso, o cheiro a mofo é evidente. Outro exemplo digno de nota podemos ir buscar ao século XIX quando era a esquerda quem defendia a globalização e a abertura dos mercados. Nessa altura, a direita acreditava que o protecionismo económico e a soberania estavam interligados. E julgava que a perda do acesso aos mercados estrangeiros seria compensada com os novos impérios em África. As distinções, em política, não se fazem unicamente entre esquerda e direita. Por vezes, a liberdade é mesmo o critério que conta.
Outro ponto que necessita de clarificação refere-se às tarifas de Trump. O presidente norte-americano justificou-as convicto que o período de ouro da América se iniciou em 1870 e terminou em 1913, ano em que o imposto sobre o rendimento começou a substituir as taxas alfandegárias. Esqueceu-se, ou não quis saber, é que as tarifas são um imposto pago pelos consumidores do país que importa. Quando Trump afirma que vai entrar dinheiro a rodos na América, acaba por não esclarecer que quem o paga é o cidadão norte-americano e o bolso para onde o dinheiro vai é o do governo.
Um dos problemas do proteccionismo é ser ineficiente. Se Washington quer forçar os norte-americanos a comprarem produtos nacionais, isso significa que há quem vá produzir o que não sabe com a certeza que o consumidor não tem escolha. Com um mercado garantido, os produtores norte-americanos farão produtos de má qualidade e a preços elevados, pois não há concorrência nem inovação que os contrarie. Protegidos pelo governo não é preciso que se esforcem muito para enriquecerem. As tarifas (sendo um imposto sobre os cidadãos) são uma prenda para empresários preguiçosos e monopolistas. Por alguma razão, os liberais (que privilegiam os interesses individuais sobre os corporativos) são favoráveis ao mercado livre em oposição ao proteccionismo.
Se as tarifas de Trump forem mesmo avante, os produtos norte-americanos tornar-se-ão caros e obsoletos. A longo prazo, economias dinâmicas (as que não alinharem nesta guerra comercial) deixarão de importar bens dos EUA, mesmo que as tarifas sobre os produtos vindos dos EUA estejam no nível zero. Poucos vão querer comprar o que não presta ou o que apenas se encontra numa loja dos 300. Os EUA tornaram-se líderes na inovação tecnológica durante e devido à globalização e ao livre comércio. Tivessem sido proteccionistas nos anos 80 e 90 e agora compravam carros fabricados em Detroit, mas não tinham indústria tecnológica.
Perante a afronta de Trump há uma forte tentação para não passar por fraco e retaliar. Mas retaliar não tem de ser na mesma moeda. Forte é quem pensa fria e inteligentemente. Não taxar os produtos norte-americanos significa comprá-los baratos enquanto ainda valem a pena ao mesmo tempo que os europeus inovam. É não ter inflação elevada, que compromete o investimento a longo prazo e que dificulta a poupança.
O défice comercial norte-americano explica-se porque a importação de bens é paga com o facto de os outros estados investirem mais nos EUA, nomeadamente em dólares, que os norte-americanos investem no estrangeiro. Trump preocupa-se com o défice comercial, mas a razão deste deriva da superioridade tecnológica dos EUA que leva os estrangeiros a comprarem activos financeiros americanos que subsidiam o consumo nos EUA. Ora, se a causa do défice reside na superioridade tecnológica dos EUA, não vão ser as tarifas que vão reduzir o défice comercial, pois não foram os mercados abertos que fizeram apreciar o dólar, mas sim a tecnologia americana.
O dilema americano é outro: chama-se dívida. Pública e privada. Esta era de menos 50% do PIB anos anos 50 e ultrapassa agora os 140%. Já a dívida pública (federal) foi ao mínimo de 31% em 1980 e está actualmente acima dos 120%. Mas isto não é com tarifas que se resolve.