Dizem que um homem é óptimo a fazer: “hum, hum…” e a não escutar. E, muitas vezes, que não pensa. Dizem que, seguramente, nunca consegue fazer duas coisas ao mesmo tempo. E que, como pai, é único na forma como se disfarça de distraído. Dizem que faz de conta que não ouve e que, por isso, nunca acorda com o choro do seu bebé. Que não prepara a marmita das crianças. E que mal sabe o nome de todos os amigos dos seus filhos.

Dizem, também, que se os homens pudessem estar grávidos a humanidade terminaria logo a seguir. Dando-se a entender que eles jamais resistiram à provação que uma gravidez acaba por trazer. Como se um homem não fosse capaz de conviver com mudanças, grandes e tumultuosas. E fosse incapaz de amar perdidamente. Com um desprendimento que o reinvente, todos os dias.

Dizem que um homem não se comove. Que tem muitas dificuldades a manifestar os seus sentimentos e a falar deles. Que não é capaz de rir, até as lágrimas. Nem, sequer, de chorar, de mansinho, no cinema. E que, ao contrário da mãe, não salta nem esbraceja nas festas de Natal (para que um filho, no meio do escuro, nunca se sinta sozinho).

Diz-se, também, que, como pai, não conta histórias. E que a sua voz (grossa) casa de forma desajeitada com as canções de embalar. E, sempre que a mãe e o pai se zangam, diz-se, “regra geral”, que ele é o vilão. Havendo inúmeros tribunais que, duma forma muito “normal”, continuam a achar que o pai é um produto de segunda necessidade para a vida de qualquer criança .

Num mundo que reclama pela paridade e a premeia, não deixa de ser desconcertante este zunzum sexista; que se repete. Como se a discriminação por identidade de género em relação ao pai não se tornasse injusta. Mas, antes, fosse quase genética. E, portanto, tivesse o seu quê de “natural”.

Mas se ser hoje homem é, muitas vezes, propício a mal-entendidos, ser pai não é, muitas vezes, mais fácil.

Eu acho que nem todas as mulheres suportariam com grande facilidade serem pai por muito tempo!

E, a partir da anunciação do seu bebé, passar-se a ser segunda figura. A ponto de ainda haver quem engelhe o nariz quando se fala da gravidez do pai. De ninguém se colocar no lugar dele e reconhecer que a sua presença numa consulta de obstetrícia é, muitas vezes, muito difícil e constrangedora. Ou do que é passar-se a ocupar, aos pouquinhos, menos espaço, e estar-se atento, e estar-se alerta e de plantão para socorrer todos os solavancos que um bebé traz ao coração, ao corpo e à alma duma mãe.

E não se diz, também, que não é descontraída nem acolhedora a forma como o pai é vivido durante o parto. Regra geral, quando se parte quase do pressuposto que ele pode desmaiar se vir algum sangue. Ou, quando se pergunta ao pai se está disposto a assistir ao parto. Nunca a participar ou a envolver-se nele! E, às vezes, quase se agradeça que o pai não esteja. Mesmo que cuide da mãe do seu bebé. Nem que, ao mesmo tempo, tenha direito a ficar atarantado quando não lhe pode tirar uma dor que seja. E, ainda assim, queira estar ali, estoico e forte, mesmo que não saiba muito bem onde me meter por entre a equipa de parto, para estar com ela. Ou que ninguém o faça sentir-se indispensável para que, da dor ao tamanho do parto, o nascimento do seu bebé se torne mais fácil por ele estar firme ali.

E também não é fácil, depois dele vir para casa, que o pai fique numa terra de ninguém nas margens da relação da mãe com o seu bebé. E entre o encantamento e a comoção, fique com a ideia que todos esperam que ele ocupe pouquinho espaço. Que ajude; sempre! Que contribua para que tudo funcione. Que acorra, solícito, para que nada lhes falte. Ou que lhe caiba a ele, agora, trabalhar mais, ainda, para que os solavancos dum bebé nas finanças duma família não preocupem mais ninguém.

E não é fácil que, em relação ao enorme impacto que um bebé tem na sua vida, só haja quem lhe pergunte se ele ajuda. Se já mudou a primeira fralda. E como é isso de passar a ter noites sem dormir. Mas nunca se está feliz. Ou assustado. E — agora, sim — a reconhecer, a cada minuto que passa, que nunca se planeia a forma como um filho entra na vida dum pai e a vira do acesso. Mesmo que, logo a segui, ele trabalhe e trabalhe. E, muitas vezes, a licença de parentalidade lhe esteja restringida. Porque ele é homem. E porque um pai não é tão necessário ao desenvolvimento duma criança como a sua mãe.

E não é justo que, considerando a exaustão que um bebé traz a toda a família, não se fale da depressão do pós-parto do pai. Não tanto porque pai e mãe fiquem deprimidos. Mas porque um e outro fazem mil balanços de vida. Sobre os pais que eles tiveram. E sobre aqueles que querem ser. E se desdobram em mil fantasias. E percebem que as suas vidas de antes estão muito logo de estar de volta. E que a sua relação passe pelo cansaço e pelo bebé e, quase nunca, pelo reboliço que vai na cabeça de cada um em relação às mudanças que acabaram de nascer. Enquanto, um e outro, se deparam com tudo aquilo de que nunca se falou. Mesmo que se tenham consultado blogs e mais blogs, sempre com a ideia de que teriam tudo mais ou menos planeado.

Ser pai nunca é, de todo, uma experiência que se planeie. Eu sei que muitos dizem que sim. Mas não é verdade. Uma pessoa não imagina — nunca — o que é ser pai. Nunca pondera os compromissos que isso representa, para toda a vida. E a responsabilidade de corresponder — sem tremelicar — às dúvidas, aos apelos e aos medos que isso traz.

Ser pai faz com que por trás duma grande mãe esteja sempre um grande pai. Mesmo que este estar, discreto, se prolongue por alguns anos. E ele esteja bondosamente (e atrapalhado) à espera dos seus momentos de primeira figura. Para que deixe de ter direito ao segundo abraço. Ao segundo beijo. Ou a versões com menos calorias de “tu és a melhor mãe do mundo”. Sem nunca reivindicar uma revisão do seu estatuto de segunda figura. Como se um pai desse jeito para espantar o papão. Para brincadeiras um bocadinho parvas. Ou para andar a correr, atrelado ao selim duma bicicleta. Mas nunca lhe estivesse reservado o glamour que uma mãe reclama só para si.

E, no entanto, ser pai traz consigo uma espécie de magia. Que leva a que passe a existir alguém que olha para nós e imagine que, se quiséssemos, e se nos esticássemos só mais um bocadinho,’ arranhávamos as nuvens. Um pai, aos olhos duma criança — imagino que tenham dado conta disso um ror de vezes — é, apesar de tudo, um arranha céus. E parece saber tantas coisas e resolver de todas as formas todos os problemas que só a um pai se pergunta que máquina escondida é que movimenta as ondas e faz com que o mar nunca se canse. E outras coisas tão interminavelmente ternurentas que, sem nunca se pensar bem nas consequências que isso representa, faz com que saiba bem ser pai! Porque é uma forma de passarmos a fazer de conta que somos fortes. E poderosos. E, não fazendo isso de nós super-heróis, tudo nos obrigue a acreditar do que somos capazes; mesmo quando temos medo. Só porque alguém vai dizendo: “o meu pai resolve”; “o meu pai faz”; “o meu pai brinca”; “o meu pai sabe”; ou “o meu pai é capaz”. Eu acho que aquilo que nos comove e nos faz fortes, por mais que os pais tenham a mania de ficar calados, é haver alguém que nos quer (muito, mesmo e só) para si. E raramente diz pai sem dizer “o meu”. É um orgulho ser “O meu pai”!. Porque mistura a forma como somos as células de um filho e o seu urso secreto de peluche. Em que nunca se repara… Mesmo que ele precise de nós, assim, invisíveis na forma como conta connosco, para todo o sempre.

Se houvesse realmente um anjo da guarda ele era o pai. Porque, mesmo a dormir, protege dos maus. Se não fosse assim, sempre que uma criança tem medos graves, daqueles que se pespegam nos pesadelos, e ela nunca se sentiria segura só por sentir o seu calor. Mesmo que ele ressone. Um tudo-nada. (Só para espantar os maus, claro.)

Seja como for, eu acho que se fala muito pouco do pai. Do seu papel. Da delicadeza com que ocupa pouco espaço. Ou da bondade como chama a si a responsabilidade pelo bem-estar de todos. Ou, ainda, como tenta ser justo. Ou, trapalhão de todo, quando faz de conta que é só fixe para ninguém reparar na culpa que tem colada à pele por estar menos tempo com um filho do que ele deseja. Ou quando faz de distraído e quase suplica que não sobre para ele fazer de polícia mau.

Às vezes, o pai é tão assustado que diz “amo-te” e coisas igualmente adocicadas num sussurro que ninguém ouve. E esconde-se e tosse, de forma vigorosa, quando se trata de dar um abraço dos grandes e de se comover. E quando diz: “precisamos de conversar”, cria um clima de quem mete medo ao medo para fazer de conta que nunca se engasga. Só porque está assustado. E treme, como mais ninguém, sempre que se imagina a perder o amor dum filho.

O lugar do pai, nos últimos cinquenta anos, mudou e mudou e mudou. E, hoje, não sendo o pai tirano ou o pai autoritário doutras épocas, parece difícil para o pai saber qual é o seu lugar. Mesmo que seja sábio. E seja bondoso e justo. E, não sendo mãe, seja “O pai”. Como uma força tranquila. Alguém que não se esganiça, nem se agita e, em caso de dúvida, não resmunga como ela. Mas, sem o pai, nunca se cresce nem tão forte nem com tanto “norte”. Porque ele não é o terceiro, entre uma criança e a sua mãe. Mas alguém que, com eles, faz o 1x1x1 com que os três se tornam num. Que cresce, nas suas diferenças, num frenesi que os leva, longe de tudo o que se planeia, daquilo que nunca se imaginou a mais infinito.