Pensa-se que se certas dificuldades não ocorressem poderíamos fazer tudo o que na vida sempre quisemos; e ser o tipo de pessoa que nas condições actuais não conseguimos ser. Bem entendido, enquanto as condições adequadas não estiverem reunidas não poderemos cumprir o muito que prometemos. Achamos regra geral que prometemos muito: conhecemos bem a mente que temos e temos uma boa opinião acerca dela, e do seu dono.

Imaginamos a nossa mente como um armário fechado onde, como dizia o poeta, mora um peito hipotético; imaginamos que o peito hipotético passaria a peito real se o armário fosse aberto; imaginamos que o armário fechado é um obstáculo, e que todas as nossas dificuldades provêm de, por razões alheias à nossa vontade, não estar aberto; imaginamos por fim que quando o armário estiver aberto e todos os seus conteúdos forem revelados nos tornaremos em público naqueles que tínhamos sempre sido na privacidade dos nossos armários. O muito que prometemos será então cumprido.

Todas estas imaginações parecem coisas boas. Pertencem porém à classe de coisas boas que não despertam entusiasmo irrestrito. Gostamos genericamente de as encorajar e recomendar aos outros; mas se por acaso acontecem nunca achamos que tenham acontecido em condições. A possibilidade abstracta da abertura completa do armário suscita uma desconfiança indefinida. É por isso que nunca achamos que os armários dos outros foram satisfatoriamente abertos: nunca nada nos parece ser suficientemente público e manifesto, ou manifesto da maneira certa.

Apesar de se parecer com um grito de guerra ‘mais luz’ é o sintoma de uma preocupação. Talvez temamos que, abertas as portas do armário, os artigos que saírem cá para fora se transformem, como num conto de fadas, em coisas que não interessam a mais ninguém. A luz do dia pode tornar-nos parecidos com aqueles de quem pensávamos que nos distinguíamos; e é em qualquer caso inimiga dos que pensam que só se distinguem por aquilo que mais ninguém pode ver. É por isso que tendemos a ficar preocupados quando, seguindo as nossas próprias recomendações, se abrem as portas dos armários.

Precisamos de perceber melhor a metafísica do armário. Talvez o factor mais relevante não seja a diferença entre um armário estar realmente aberto ou aparentemente fechado, mas antes o não percebermos que as coisas importantes que fazemos não são feitas na nossa privacidade mas apesar dela; e são os obstáculos e as distorções, em suma, a pura falta de condições, que nos levam normalmente a fazer coisas interessantes. É possível que, como observou um filósofo, devamos aos armários fechados os arrepios do segredo, da perseguição e do perigo. Mas podemos dever-lhes também todas as nossas proezas principais. O que em público pensamos, dizemos, fazemos, ou omitimos é provavelmente o resultado de haver armários fechados; ou pelo menos não parece ser o resultado de os termos aberto.

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