Não há dúvida que as “contas certas” do ano de 2024 irão marcar a campanha eleitoral, ao apresentarem um excedente orçamental superior ao previsto. Não tenho grandes dúvidas que politicamente esse resultado será, e já está a ser, aproveitado pela AD, muito embora 2024 tenha sido um ano híbrido. Desde logo, o orçamento de Estado 2024 aprovado e executado foi, no essencial, aquele que tinha sido aprovado pelo governo do PS, com algumas alterações, com pouco impacto orçamental ao nível da descida do IRS e da requalificação salarial de algumas carreiras profissionais que, sendo progressivas ao longo do tempo, só terão significativo impacto em 2025. Este ano, com um orçamento apresentado e aprovado pela AD, e já com maior impacto das revalorizações salariais e das pensões poder-se-á fazer melhor juízo sobre a gestão das contas públicas de PSD-CDS, em particular se a coligação ganhar as eleições.

De qualquer modo vale a pena olhar para os dados orçamentais quase finais que o INE publicou no âmbito do procedimento de défices excessivos (PDE) e que reporta às instituições europeias. Nomeadamente comparar os dados agora conhecidos do PDE com os que há poucos meses tinham sido apresentados como previsões para 2024, inscritos no OE2025. A primeira leitura dos dados sobre as finanças públicas é claramente positiva. Estamos a manter a trajetória de redução do peso da dívida no produto e isso é essencial para sairmos definitivamente da zona de risco onde nos colocámos e de onde ainda não saímos. Devemos manter o princípio de que, com crescimento económico, devemos ter equilíbrio orçamental, para ter a folga necessária para em situações de crise, se necessário, ter um défice orçamental pelo efeito conjunto dos estabilizadores automáticos (variáveis como o IRS ou o subsídio de desemprego que automaticamente têm um efeito macroeconómico estabilizador) e de uma eventual política discricionária expansionista do governo, quer no aumento de despesa ou na redução de impostos.

Uma leitura mais fina dos dados mostra que a surpresa essencial desde outubro passado, aquando da apresentação do OE2025, até hoje, foi uma execução orçamental da segurança social bem melhor do que o previsto em quase mil milhões de euros. Note-se que o excedente orçamental do subsector da segurança social é maior que o défice da administração central e só isso explica logo grande parte do excedente das administrações públicas que teve também uma ajuda de um excedente da administração regional e local. A razão essencial que explica o excedente da segurança social é o aumento significativo e muito rápido dos cidadãos estrangeiros com autorização de residência em Portugal e que já ultrapassa o milhão, ou seja, cerca de 10% da população portuguesa. Parte desta nova população residente, a trabalhadora, está a contribuir para a segurança social, ainda não recebe pensão, pelo que o seu atual contributo líquido para a segurança social é positivo. Mas estamos a criar uma responsabilidade para o futuro. Por isso é importante que se cumpra a lei de bases da segurança social e que se afete o excedente do sistema previdencial de segurança social ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, um fundo que agora está a aumentar de valor, mas que começará a diminuir por volta de 2030 quando aquele sistema começar a apresentar défices.

Enquanto por cá entrámos já em período pré-eleitoral era bom que se aproveitasse a campanha para discutir alguns temas importantes para o país e que os partidos fossem claros nos programas eleitorais. Tivemos eleições há um ano e não se esperam mudanças dramáticas nos programas eleitorais dos principais partidos. Mas há duas novidades, quer Pedro Nuno Santos quer Montenegro estão, respetivamente, na oposição e no governo há pouco mais de um ano. É importante que tenham amadurecido ideias. Nomeadamente sobre o que se perspetiva sobre os gastos da defesa e o modo de a financiar. As opções não são muitas e devem ser claras. Um, não aumentar a despesa com a defesa. Dois, aumentar à custa das funções sociais do Estado, mantendo o excedente orçamental. Três, aumentar sem ser com a solução dois, mas reduzindo o excedente ou mesmo tendo défice, ou seja, aumentando a dívida pública nacional. Já o referi, em artigo anterior, que a União Europeia não está a ver a problemática da defesa como deveria. Assim chegamos à opção quatro que defendo. A defesa europeia é um bem publico europeu e deve ser financiado e produzida à escala europeia, com fundos adicionais de recursos próprios europeus e eventuais contribuições adicionais dos Estados membros. Dada a importância do Reino Unido, eventualmente deverá criar-se uma comunidade europeia da defesa (CED), incluindo também a Noruega, e essa CED deve estar coordenada com as competências da comissão europeia na defesa e com a NATO. A defesa europeia não pode ser encarada numa ótica intergovernamental, como um problema dos estados-membros, mas como um problema à escala europeia com soluções verdadeiramente europeias. Nesse sentido Portugal, certamente que deve ir aumentando marginalmente a sua despesa com defesa, mas não deve novamente ir atrás de cânticos de sereia de flexibilização de regras orçamentais e deve pugnar por uma solução verdadeiramente europeia para o financiamento da defesa e pela clarificação da missão dos gastos militares europeus. Deveremos estar atentos para perceber se esta flexibilização das regras não é um instrumento útil para que grandes países com défices excessivos, mesmo sem despesas militares acrescidas, escapem a um procedimento por défices excessivos, ou seja se continuamos com dois pesos e duas medidas para monitorar as finanças públicas nos estados-membros da União Europeia.