Estou fora e na América a Casa Branca torna-se num balneário de adolescentes. É difícil acreditar mas confirmo na internet que aconteceu mesmo. Estou fora e em Portugal o parlamento vai abaixo. É difícil acreditar mas confirmo na internet que aconteceu mesmo. Tudo aconteceu mesmo quando estava fora.
Não sei se é por estar fora mas parece que na minha ausência o mundo se excitou. Na minha ausência Portugal excitou-se também (afinal, e mesmo que não pareça, Portugal faz parte do mundo). Será que ao estar fora fiquei melhor ou pior pela excitação que perdi?
Estou fora e pela primeira vez falho um texto aqui no Observador. Acreditei que o Brasil me permitiria algum multitasking mas fracassei. Desde Novembro de 2022 que nunca tinha falhado um texto. Mas estava fora.
Estando eu fora, parece que o mundo se decidiu a abandonar a rotina. Toda a acção foi protagonizada por um elenco ao qual não tive acesso. Falhei o casting para o que de mais emocionante se deu nas últimas semanas. Fui o anti-Forrest Gump.
O “Forrest Gump” é um filme que marcou o cinema americano recente. Vi-o décadas depois de sair e é insuportável. O realizador Robert Zemeckis, que sempre foi melhor em aventuras do que em personagens, inventa um neuro-labrego que casualmente participa nos grandes momentos históricos. O Tom Hanks, funcionário pressuroso de filmografias de causas, encaixa que nem uma luva no papel, com 100% de responsabilidade e zero de talento.
A ideia do simplório despejado nos saltos que o Universo dá é boa mas o filme estraga-a sugerindo, pelo contrário, que a cura para o mal do mundo é a presença de pessoas que sintetizam atraso mental e benevolência angélica. O filme faz-nos chorar com eficácia, muito à custa daquela banda sonorazinha astuta, mas no final idealiza a pureza moral do retro-iluminado Gump—é um filme anti-gente comum.
Hoje todos queremos ser Forrests Gumps, neuro-labregos talhados para participar em momentos históricos. Talvez melhor do que correr para eles seja mesmo ficar de fora.