Muitas pessoas que gostam de poesia têm pena de que os poemas que admiram não sejam mais curtos. Não fazem isso por mal, mas porque se sentem um tanto perdidas no meio de poemas compridos; e em certos casos têm razão. Mário Cesariny de Vasconcelos (1923-2006), poeta e pintor, escreveu vários poemas curtos. Um deles, relativamente conhecido, foi publicado sob o título “Colapso”, e tem só oito versos e duas frases: “Tudo está / eternamente / escrito / (Spinosa) // Tudo está / eternamente / em Quito / (Uma Rosa)”.
Esperamos que um poema curto seja menos confuso que um poema comprido; mas neste caso não há razão para esperanças. A primeira frase (“Tudo está / eternamente / escrito”) parece uma citação, atribuída ao filósofo holandês Spinoza (Cesariny escreve “Spinosa”); uma frase que poderíamos encontrar num saquinho de açúcar, ou numa estação de metropolitano, ou ouvir numa conferência filosófica. Será a segunda frase (“Tudo está / eternamente / em Quito”) também uma citação? E se for, quem será o seu autor? Cesariny atribuiu-a a “Uma Rosa.” No entanto, nenhuma rosa pode fazer afirmações (uma pessoa chamada Rosa pode fazer afirmações; mas uma rosa, mesmo que se chame Handel ou Santa Teresinha, não).
As afirmações propriamente ditas também não são claras. A primeira é vaga e trivial; e a segunda sugere uma situação invulgar na capital do Equador. Terá a cidade alguma propriedade susceptível de atrair todas as coisas, e para todo o sempre? Quito não é um destino turístico conhecido. Pressentimos um segredo bem guardado, mas realmente não temos ideia daquilo que o poema quer dizer; ou então o poema não quer mesmo dizer coisa nenhuma, e será só uma brincadeira baseada num trocadilho (“Quito” é parecido com “escrito,” e “Spinosa” é parecido com “Uma Rosa”). Se calhar Cesariny terá chamado ao poema “Colapso” por causa disso: tudo parece parecido, e tudo é indiferente.
Mas pode ser que o poema queira dizer alguma coisa, embora não sobre Quito, ou sobre Spinoza. Talvez Cesariny ao escrever o seu poema não tenha querido revelar o que se encontra na capital do Equador, ou expor uma doutrina filosófica, ou fazer troça de quem o faz, mas simplesmente tenha estado entretido a arranjar uma palavra que rimasse com a palavra ‘Spinoza.’ Não é de excluir que muitos poemas que nos dão a ideia de que transportam segredos que só com muita ciência poderemos reconstruir tenham começado por ser palavras parecidas alinhavadas por um poeta. Se calhar o que Cesariny quis mostrar foi que os poemas são no fundo colecções de coisas parecidas, que provêm dos armazéns de parecenças onde as vamos buscar; e nesses armazéns há artigos de toda a espécie: rimas e frases, barulhos e explicações. Tudo estará assim eternamente escrito, embora não na capital do Equador.