Nem todos podem dar-se ao luxo da experimentação ideológica. Para quem não encontra solução senão em trabalhar num ambiente laboral hostil. Para quem tem que ir a correr, entre pausas, até ao hospital para visitar um familiar doente. Para quem tem de arranjar uma maneira cordata de gerir a “guarda partilhada”. Ou para quem, por exemplo, vive, sem outro remédio, na casa dos pais e tem que conciliar diferentes gerações sem conflitos, tudo isto não passa de uma piada, de uma espécie de jogo endogâmico, de voyeurismo. Na vida de todos os dias, muitos aprendem a calar para não perder o emprego, aprendem a ceder para sobreviver, a tentar reconciliações para que as suas vidas não se transformem num inferno insustentável, a conciliar urgências, necessidades, ambições, sobrevivência e sonhos. Em política parece que estas regras não se aplicam. A crispação é incentivada, a clivagem é premiada, e a capacidade de destruição mediática sobrepõe-se à construção.
Olhamos para o que se passa e perguntamos: Para que é que isto serve? Qual é o objetivo de tudo isto? Não sabemos. E mesmo sabendo, é possível que cheguemos à conclusão que não vale a pena. António Lobo Antunes tem imensas crónicas onde relata como nos meandros dos cuidados oncológicos todos os pacientes dimanavam uma beleza e uma dignidade ímpares. Creio que hoje, cada um de nós, embora não sejamos por natureza heróis ou vilões, é capaz de reconhecer uma verticalidade e adultez em tantos outros, que não reconhece facilmente nos nossos protagonistas políticos.
É verdade – pode, até, parecer uma contradição – mas por detrás dos truques de comunicação, a política é igual à vida comum. Não é necessariamente danoso ser acusado de falhas de ética, como não é necessariamente benéfico ser o paladino da moral. Agimos eleitoralmente como agimos no dia-a-dia: cheios de preconceitos, tentando proteger a nossa dama, mesmo diante de todas as provas, ou, então, desejando a imediata redenção do mundo. O estado da economia ou a “capacidade de fazer” podem ser tão importantes como uma “ficha limpa”. Aliás, um certo nível de sujidade pode facilmente ser tido como nota de humanidade e visto com empatia.
No entanto, e sem qualquer ilusão, a política, o Estado e a democracia representativa estão construídas sob uma saudável expectativa: o cidadão comum não pode parar todos os dias para pensar em decretos-lei, mas espera que quem o faz jogue com regras limpas. Acredita que há uma lógica superior a guiar as decisões ou que os discursos inflamados são fruto de convicções inabaláveis e não de simples golpes de marketing. Quando isso é beliscado, ou quando é sistematicamente sabotado, o problema começa. Acontece-nos como aos filhos que ouvem os pais falarem mal deles. Pode ter sido ocasional, mas ficará sempre um manto de dúvida na relação de confiança.
A estabilidade não é um Santo Graal. Mas, também, não é de crise política em crise política que se chega ao “homem novo” e aos “amanhãs que cantam”. Quanto a um lado ou a outro, devemos sempre ganhar enorme indiferença. A questão é resguardar a finalidade. Pois, tal como a herança grega, posteriormente sintetizada pelo Cristianismo, ensina, a política não é um fim em si mesmo. É um meio para atingir um fim e esse fim é o bem-comum, que não é, ele próprio, um fim isolado. Mas o bem-comum é claro: acontece ou não acontece.
Até lá, tudo será um ruído de fundo. Não algo que valha a pena. E se não tiverem vagar para lerem os Evangelhos, ao menos leiam a Ética a Nicómaco. Não prometo que seja mais curta.