Ao assistir à distância às manifestações do passado sábado, não pude deixar de comentar com quem estava comigo o quão diferente o país se tornou na última década e meia. Seguindo o canónico atraso de vinte anos em relação à Europa rica, a imigração explodiu em Portugal e tornou-se, de caminho, um tema com grande saliência na competição política. As manifestações a que assistimos são obviamente muito diferentes. Ao contrário do Dr. Montenegro, que acha que ambas representam os extremos, equiparar moralmente a manifestação do Ergue-te, com motivações marcadamente racistas, à manifestação organizada pela esquerda não faz qualquer sentido. Não concordando com todas as posições de quem desfilou pela Almirante Reis, sei perfeitamente onde separamos a civilização da barbárie. Não sabendo como resolver o enorme problema político e social que o Dr. Costa criou com o regime aberto, mostrando, mais uma vez, que a burocracia portuguesa, com raras excepções, simplesmente não funciona, o Dr. Montenegro perdeu uma bela ocasião para estar calado.

Durante a tarde de sábado, ouvi inúmeros manifestantes de Esquerda, juntamente com figuras gradas do Bloco de Esquerda, do Livre e do Partido Socialista fazerem uma equivalência funcional entre ser a favor da imigração e ser democrata. Nas cabeças iliberais que grassam na esquerda portuguesa, especialmente nas gerações mais novas, aparentemente, só somos democratas se defendermos uma determinada posição. A deles, obviamente. Permitam-me discordar. Ser democrata é aceitar as regras do jogo quando ganhamos e, especialmente, quando perdemos as eleições que servem, no fundamental, para agregar as preferências da população e, ao fazê-lo, escolher agentes políticos para implementar um conjunto de políticas públicas.

Em linha com este raciocínio, vi também comentadores próximos da área do Partido Socialista a escarnecerem do falhanço de mobilização da manifestação organizada pelo Chega e, com isso, pretendendo afirmar que a posição deste partido é minoritária na sociedade portuguesa. Apesar da manifestação do Chega ter sido um falhanço claro em termos de mobilização, como mostram as imagens que passaram em todo o lado, os dados mais recentes sobre as preferências dos portugueses em matéria de imigração mostram que as ideias de Ventura são partilhadas pela maioria dos eleitores.

Um estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que, em boa hora, continua a dar-nos dados para conhecer a realidade portuguesa, dirigido por Rui Costa Lopes (disclaimer: sou amigo de RCL desde 2009, quando partilhávamos um gabinete no Instituto de Ciências Sociais e ouvíamos Chico Buarque e Ena Pá 2000 incessantemente enquanto comentávamos as últimas tropelias de José Sócrates, então ainda o menino de oiro do PS), mostra de forma inequívoca que a posição dos eleitores portugueses é bastante mais reticente em relação à imigração do que o voluntarismo da esquerda portuguesa provavelmente desejaria.

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Os dados recolhidos no estudo da FFMS são inequívocos. Apesar de 68% dos inquiridos considerarem os imigrantes muito importantes para a economia nacional, 75% dos respondentes acham que seria positivo para Portugal que houvesse uma política de imigração mais regulada e dificultada. Referindo dados do Inquérito Social Europeu, o estudo mostra ainda que, historicamente, esta visão não é nova. Apesar de ter havido menor oposição à imigração nos anos a seguir a 2014, a tendência actual recupera preferências havidas no início do século.

O estudo aponta ainda para a existência de diferenças interessantes de analisar sobre os subgrupos de imigrantes que, no fundo, os portugueses mais apreciam. Existem uma visão maioritária, partilhada por 61% dos respondentes, que o número de imigrantes do subcontinente indiano deve diminuir ou mesmo diminuir muito. De igual modo, 51% opõem-se à imigração do Brasil. Pelo contrário, os imigrantes provenientes de países como Estados Unidos, Espanha ou Reino Unido são aqueles que suscitam mais simpatia, sugerindo, naturalmente, que o estatuto sócio-económico tem um papel relevante a moldar as atitudes dos respondentes.

Para além disso, o estudo questiona os cidadãos sobre a ligação entre imigração e as oportunidades ou ameaças que esta constitui. Descobrimos que 51% dos respondentes considera a imigração uma ameaça simbólica para Portugal, um aumento substancial em relação aos 28% que em 2010 partilhavam esta opinião. Para além disso, 68% dos respondentes acreditam que os imigrantes contribuem para o aumento da criminalidade e, noutro ponto relevante, 54% acham que os imigrantes prejudicam os portugueses no mercado de trabalho.

Ao mesmo tempo, o estudo aponta para um conjunto de dados sobre os direitos que os portugueses acham que devem ser atribuídos aos imigrantes que podem parecer contraditórios. 58% dos respondentes acham que os imigrantes devem ter o direito ao voto e, importa sublinhar, 77% acham ainda a reunificação familiar deve ser facilitada. No fundo, estes dados parecem apontar um apoio dos respondentes a dar direitos aos imigrantes que já estão em Portugal.

Este trabalho dirigido por Rui Costa Lopes mostra ainda que estas atitudes estão correlacionadas com o comportamento eleitoral e com a satisfação com a democracia. Por um lado, o estudo mostra, sem surpresa, que os votantes do Chega tendem a ter opiniões mais negativas sobre a imigração, mas que estas, na prática, não são muito diferentes dos votantes da AD ou do PS. Por outro lado, ficamos ainda a saber que quanto menor é a satisfação com a democracia e com as instituições, mais fortes são os sentimentos anti-imigração. Por último, o estudo mostra ainda dois fenómenos muito interessantes que são, de resto, prevalecentes em muitos países. Em primeiro lugar, 52% dos respondentes afirma não ter contacto ou ter um contacto muito reduzido com imigrantes no dia a dia. Em segundo lugar, e também em linha com outros países, os portugueses sobrestimam de forma substancial o número de imigrantes existentes em Portugal.

Chegados aqui, toda esta informação contém pistas e sinais para os quais todos os líderes políticos deveriam estar muito atentos. Em primeiro lugar, a maioria dos portugueses têm ideias claras sobre quais devem ser as políticas de imigração no país. As suas preferências são para uma diminuição, em alguns casos forte, da entrada de estrangeiros em Portugal. Discordo profundamente desta posição, no entanto, acho-a perfeitamente legítima e uma escolha política razoável que os partidos devem implementar sendo estas as preferências da população. Afirmar que esta posição não é democrática é risível e demonstra, isso sim, uma visão profundamente iliberal da sociedade. Em segundo lugar, à luz destes números, Ventura tem aqui um potencial eleitoral enorme. Nos últimos meses, por motivos vários, o líder do Chega tem conseguido que temas como a segurança ou a imigração estejam na ordem do dia. Enquanto isso acontecer, o Chega vai capitalizar politicamente. Enquanto os outros partidos se perdem em discussões estéreis sobre quem tem mais virtude, o Chega fará o seu caminho. Por último, Luís Montenegro não pode fingir que não tem um enorme problema político e social entre mãos. Fazer acções policiais musculadas para tentar dissuadir informalmente a imigração ou complicar a vida a quem já cá está para os incentivar a sair não será suficiente. Montenegro precisa de fazer as reformas que Costa não foi capaz de fazer e colocar a burocracia do Estado a tomar decisões em tempo útil sobre a regularização (ou não) dos imigrantes que já estão em Portugal.