A minha leitura da crise política e do caso Spinumviva tem vindo a alterar-se. Há duas semanas escrevi aqui que Luís Montenegro havia cometido um conjunto de erros políticos e de gestão da crise que acabaram por culminar em eleições antecipadas. Mantenho tudo o que escrevi. De resto, não estou sozinho. De acordo com a sondagem mais recente do Expresso, cerca de dois terços dos portugueses continuam a achar que ainda há coisas por esclarecer nas matérias relacionadas com a vida empresarial do primeiro-ministro.

O que mudou foi a perspectiva que tenho sobre as consequências das eleições para o PSD. No calor da crise política julguei que Montenegro pagaria um preço elevado, eventualmente levando o partido a uma derrota, pela sua inabilidade política. Estava enganado. Não faço parte do grupo de entusiastas que pulula nas televisões e nos jornais a afirmar que estaremos, provavelmente, perto de um momento 1987. Não é Cavaco Silva quem quer. Luís Montenegro, certamente, nunca o será. Nem acho que as eleições serão um passeio para o líder do PSD. No entanto, há dois motivos pelos quais creio que Montenegro conseguirá sair vitorioso destas eleições.

Em primeiro lugar, Montenegro beneficia de uma condição estrutural da democracia portuguesa: a complacência do eleitor médio perante a falta de ética. Exemplos não faltam. Começando em José Sócrates, que, em 2011, já depois de muita informação ser pública, logrou obter mais de 1.5 milhões de votos, passando por Isaltino Morais, que é reeleito no concelho com mais educação do país apesar de inclusive já ter cumprido tempo de prisão por práticas de corrupção, até ao caso mais recente de Miguel Albuquerque, que, no Funchal, na condição de arguido, e com suspeitas graves a pender sobre si, levou o PSD novamente ao poder. Estes três exemplos ilustram como o eleitor médio é pouco exigente em matéria de lisura ética.

Num artigo recente, publicado na European Political Science, Gustavo Maciel utiliza dois inquéritos à população e à elite política em Portugal para analisar a tolerância aos diversos tipos de corrupção nos dois grupos. Os resultados são muito interessantes quando lidos à luz dos acontecimentos que levaram à queda de Montenegro. Maciel descobre que existe uma visão muito negativa sobre corrupção pura e dura, por exemplo, subornos ou apropriação de fundos públicos para fins privados. Todavia, existe uma enorme tolerância na elite política e nos cidadãos perante aquilo que o autor chama, citando a literatura internacional, ‘Corrupção Paroquial’, isto é, um mecanismo de corrupção através dos quais laços de proximidade, amizade ou de casta permitem o acesso a favores por parte dos detentores do poder. Exemplos práticos de corrupção paroquial são o nepotismo, o ‘mexer os cordelinhos’ ou servir como facilitador em negócios entre o Estado e as empresas privadas. Numa escala de 0 a 10, em que 0 significa considerar aquele comportamento como corrupto e 10 como não corrupto, os cidadãos colocam a Corrupção Paroquial em 2.69, enquanto os políticos colocam em 5.53. Estes valores não só são muito mais elevados do que outros tipos de corrupção, que suscitam muito maior condenação em ambos os grupos, mas devem ser lidos à luz do viés de desejabilidade social. Isto é, a maioria dos respondentes condiciona as suas respostas aquilo que sabe ser a norma social sobre a corrupção. Muito provavelmente, estes valores seriam mais elevados se os indivíduos não estivessem condicionados pelo viés de desejabilidade social. A complacência real para com a corrupção é bastante elevada em Portugal.

Em segundo lugar, Montenegro beneficia de uma condição que podemos considerar conjuntural e que, em grande parte, é mérito do líder do PSD. Quando chegou ao poder, Montenegro percebeu não só que tinha uma maioria periclitante, que o obrigaria a estar preparado para eleições em qualquer momento, como decidiu também seguir a estratégia de governação do Partido Socialista que tantas alegrias trouxe ao Largo do Rato. Esta receita é simples. Por um lado, não se deve fazer rigorosamente qualquer reforma, sob pena de criar ganhadores e perdedores e, naturalmente, suscitar a ira eleitoral dos últimos e ser penalizado nas urnas. Promover o viver habitualmente, como ensinou o velho sábio de Santa Comba, é o melhor caminho. Por outro lado, é necessário distribuir prebendas aos grupos sociais que potencialmente possam ser eleitores fiéis. Montenegro distribuiu abundantemente ao longo dos últimos dez meses. Como diz o Livros do Eclesiastes, há um tempo para plantar e outro para colher. 18 de Maio será o tempo de colher.