O mais recente cartaz que o Bloco de Esquerda colocou nas ruas vale por todo um programa político. Temos os logótipos das quatro grandes empresas que concentram o ódio do radicalismo anticapitalista: Pingo Doce, Continente, Galp e Santander. Temos as fotografias dos líderes dessas quatro grandes empresas, mas com as caras cortadas pelos olhos, para contribuir para a desumanização dos “patrões”. E temos um slogan mágico condensado numa pergunta retórica: “Os lucros deles ou a nossa vida?”.
Nos últimos anos, em Portugal, temos falado muito — e bem — sobre os perigos do populismo de direita. Mas temos falado menos — muito menos, quase nada — sobre os perigos do populismo de esquerda. Precisamente: este cartaz é a definição perfeita de populismo. Os especialistas que têm estudado e analisado estes movimentos políticos estão de acordo que há duas características básicas de todos os populismos. A primeira é uma visão maniqueísta da sociedade, que coloca de um lado o povo inocente e puro (“nós”) e do outro lado uma elite exploradora e corrupta (“eles”). A segunda característica de todos os populismos é a tentativa de convencer os eleitores de que os problemas complexos têm soluções simples que só não são aplicadas por causa de conspirações e manipulações urdidas por “eles” para conservarem o seu poder ilegítimo.
No cartaz do Bloco de Esquerda, está tudo isso. Primeiro, apresenta uma visão do mundo. “Eles” são os patrões, apresentados com um sorriso ligeiramente trocista e superior, impecavelmente vestidos e penteados, representados em fotografias a preto e branco e com rasgões, como se tivessem acabado de sair das páginas de crime de um tablóide. “Nós” somos todos os outros, aqueles que não usam gravatas inacessíveis nem frequentam cabeleireiros caros e que sacrificam as suas “vidas” para que a elite tenha “lucros” obscenos.
Depois, o cartaz do Bloco de Esquerda apresenta a solução instantânea e indolor para todos os problemas do país: naturalmente, basta tomar conta dos “lucros deles”. Como disse um dia Mariana Mortágua, numa frase franca e reveladora: “Temos de perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular dinheiro”.
O cartaz foca o alvo no Pingo Doce, no Continente, na Galp e no Santander. Mas isso acontece apenas por falta de espaço para mais. Na realidade, Mariana Mortágua e o Bloco de Esquerda usam este discurso populista para falar sobre tudo o que mexa. “Nós” e “eles”; “nós” e “eles”; “nós” e “eles”. Ao ouvir isto dia após dia, semana após semana, mês após mês, ano após ano, uma parte do eleitorado fica a acreditar que, de facto, o mundo só não é um lugar perfeito porque as elites corruptas não deixam. E fica a acreditar que, se elegêssemos alguém com coragem para acabar com os “lucros deles”, teríamos a “nossa vida” de volta e todo o mal seria varrido da Terra, num banho lustral de pureza e virtude. O cartaz do Bloco de Esquerda só não nos conta como é que a história acabou em todos os países que acreditaram nestas fantasias — não acabou bem.