O governo caiu porque as instituições não funcionam para parte da classe política. Foi por discordar deste fatalismo que a Iniciativa Liberal (e em jeito de nota prévia saliento que sou membro da Comissão Executiva da IL e fui deputado por este partido em Fevereiro), votou a favor da moção de confiança. Não foi no governo, mas nas instituições. Fê-lo porque o sistema político tem meios próprios para resolver suspeições como as que pairam sobre o Primeiro-Ministro, sem que seja necessário atirar o país para eleições.

Há anos que Portugal anda à deriva. Primeiro, foram os défices. Depois a dívida. A seguir os cortes nas pensões e nos salários. Mais tarde, as falhas dos serviços públicos. Tribunais, escolas, hospitais, repartições e conservatórias. No meio, governantes ficaram presos enquanto outros foram detidos. A suspeição alastrou-se e os extremos cresceram. Em votos, barulho e em influência. O mal-estar é o resultado de décadas de inacção que apenas surpreende os crédulos. O que sucedeu no Parlamento no último 11 de Março foi só mais um episódio de uma novela de mau gosto iniciada há 30 anos.

Há três décadas que dizemos a nós próprios que é desta. Que é agora. Que é agora que vamos resolver a dívida pública, que é agora que vamos ter melhores salários, que é agora que vamos ter melhores escolas, melhores tribunais, melhores hospitais. Que é agora que os empresários terão capital para investir, que a ferrovia se vai modernizar, que é agora que vamos ter um plano hidrográfico que colmate as secas sistemáticas no sul do país. Que é desta que o país se vai desenvolver sem que isso ponha em causa a vida das gerações futuras. Que é desta que vai ser o que acaba por nunca acontecer. Tem sido uma vida nisto. Com um problema acrescido, desta vez: o fim da aliança EUA/Europa que nos coloca entre dois blocos. Estamos na UE, que se tem de defender da Rússia, mas também temos interesses no Atlântico e o cuidado de antecipar um possível apetite dos EUA pelos Açores. Não seria a primeira vez que a questão se colocaria e é essencial que, connosco, não seja de vez.

É por estes motivos que as eleições que se aproximam não se podem limitar a um plebiscito ao Primeiro-Ministro. Há muito mais em causa que é muitíssimo mais importante que os interesses profissionais de Luís Montenegro. Assim, as próximas legislativas devem ser para se apresentar propostas, se discutir política, se falar do país e das pessoas. Por muito que nos canse é o que nos é exigido agora. Políticas que reduzam a despesa pública para que se baixem impostos sem pôr em causa o financiamento do Estado, sob pena de se criar uma crise financeira com as consequências que já experimentámos. É a oportunidade de exigirmos um Estado imparcial que garanta o livre funcionamento do mercado, o que só é possível com altos e médios quadros da função pública preenchidos com funcionários públicos com formação adequada, funções e responsabilidades devidamente determinadas, autónomos do poder político, capazes de recusar pressões políticas. Um Estado imparcial tem de ser consistente na sua acção e para tal necessitamos de competência, de rectidão e de justiça no exercício das funções públicas.

Necessitamos de desregulamentar e liberalizar o mercado do arrendamento para que haja de imediato as casas que são precisas agora, sem esperarmos mais de cinco anos pela sua construção. Medidas na saúde que apostem na colaboração entre todos os que trabalham no sector. Políticas que promovam a estabilidade e a previsibilidade fiscal, a redução da burocracia para captar investimento estrangeiro, porque precisamos de capital para que, com maiores empresas tenhamos melhores empregos e melhores salários. Um país com rendimentos mais elevados e (porque não?) com um PIB per capita superior ao espanhol. É difícil, mas podia ser um objectivo que causasse respeito e admiração lá fora. Um país soberano é hoje um que, com um Estado imparcial e uma sociedade dinâmica, cria riqueza, é produtivo, capta investimento e tem uma reserva financeira que lhe sirva de suporte. Um país que projecte a sua imagem no estrangeiro, exerça a sua influência e, no caso português, procure no Atlântico a força que a Europa precisa para enfrentar os ímpetos expansionistas da Rússia.

Uma última palavra sobre a Iniciativa Liberal que tem sido elogiada neste processo que conduziu à queda do governo. Nada surge por acaso. Não é por acaso que as pessoas são consistentes. Não é por acaso que as pessoas são racionais. Não é por acaso que um partido político estuda propostas e encara a política como a forma de convencer os cidadãos. Não é por acaso, porque esse comportamento resulta de um compromisso que tem muito tempo e que é cultivado a cada dia que passa. Isto é importante porque a mudança não se faz de repente. Exige consistência, conhecimento e trabalho. Firmeza e serenidade.

Refiro isto porque é essencial que quem está atento às necessidades do país e tem consciência das reformas que têm de ser feitas compreenda que não é com gritos nem acusações nem golpes de sorte que se melhora a vida dos portugueses. Na verdade, o compromisso não é só dos políticos; é também dos eleitores. Pode não ser fácil falar verdade de forma equilibrada e ponderada, mas é dessa maneira que se derrotam os populismos. É em momentos como este que a todos nos é pedido união, não consenso, não unanimidade, mas a união que permite um pacto mínimo de discussão aberta que ajuda à decisão esclarecida. E não, não é ingenuidade. É o que história nos conta; nos diz. É para isso que nos alerta: que é a única saída possível para que as instituições democráticas funcionem e que o testemunho que nos passaram seja transmitido aos mais novos.