Em março, a Netflix lançou Adolescence, um drama britânico que é menos uma série e mais um murro no estômago, e que acompanha Jamie Miller, um rapaz de 13 anos detido pelo homicídio de uma colega de turma. O que começa como um mistério descasca-se para revelar uma criança corroída pela manosphere online — fóruns incel, o ruído de Andrew Tate, um caldo digital de rancor. Recentemente, no mundo real, três influencers portugueses abusaram sexualmente de uma rapariga de 16 anos, partilhando-o online com milhares de seguidores. Juntas, estas histórias — uma encenado, outra crua – iluminam uma crise que se alastra entre os rapazes: a misoginia e a cultura incel a transformarem confusão em crueldade.

Os números não mentem. Um recente estudo da Ipsos em 30 países revela que quase 60% dos rapazes Gen Z acham que a sociedade beneficia demasiado as mulheres, deixando os homens para trás. Os algoritmos ajudam, promovendo vídeos de Andrew Tate, memes incel, guias para “machos alfa”. O apelo de Tate é básico — sê “alfa”, trata as mulheres como inferiores, domina — cortando o ruído da adolescência com uma simplicidade bruta. Contudo, tratam-se de discursos ocos e fúteis, que não dão força, mas perpetuam ciclos de raiva e destruição – Jamie acaba preso e a confessar o crime; os três portugueses, mesmo que os tribunais falhem, as consequências, eventualmente, surgirão.

Porém, há outros caminhos, fontes mais ricas, tais como as obras de Fyodor Dostoevsky. Enquanto Tate destila vazio, Dostoevsky dá-nos profundidade — O Idiota, Demónios, Crime e Castigo e Notas do Subterrâneo enfrentam as tormentas que estes rapazes vivem: o caos da mente masculina em desenvolvimento, a dor que querer amar, o desvario da juventude. As suas páginas não dão sermões — questionam, castigam, apontam além.

Pegando n’O Idiota. O Príncipe Míchkin entra num mundo sombrio, um jovem puro que chega a ser apelidado de idiota. A bondade é a sua cruz; não consegue ter o que ama, o que deseja. Não é essa a raiz de tanto desespero masculino? Os rapazes atraídos pela cultura podem ver as suas feridas no silêncio rejeitado de Míchkin, mas onde Tate apregoa o domínio e a força, Dostoevsky expõe o erro e o vazio consequente. Rogójin, o anti-herói, persegue uma das protagonistas com uma paixão fatal, acabando na sua prisão e no enlouquecimento de Míchkin. Será possuir uma vitória, ou uma recompensa vazia? Conseguirão os seguidores de Tate ser inteiros sem partir ninguém?

Demónios vai mais fundo ainda, um aviso sobre a radicalização que parece tirado dos dias de hoje. Nikolai vagueia pela vida, um jovem cujo charme esconde um vazio – não é esse o buraco que os rapazes tentam tapar com red pills? A mente dele debate-se, enquanto Piotr, um jovem carismático, arrasta um grupo de jovens para um plano violento: mortes, suicídios, uma vila em cinzas. O autor não oferece respostas fáceis, mas o pedido de perdão de um dos rapazes aquando às portas da morte sussurra uma saída – recua, procura algo verdadeiro. Para os rapazes afundados em dogmas e fóruns online, fica a dúvida: esses ideais oferecem salvação ou a forca?

Depois há Crime e Castigo, o exemplo máximo de uma mente em guerra. Raskólnikov, um estudante falido, mata uma velha agiota para se convencer que está acima das regras morais e éticas – um eco do mito “alfa” de Tate. É a juventude na sua forma mais destrutiva, um salto cego, que lhe desfaz a alma. A sua cabeça é um caos – orgulho, culpa, medo – até que uma jovem de coração puro o puxa para trás. O amor é o seu calvário e a sua tábua, mas não como num conto de fadas; conquista-o confessando o crime e passando anos na Sibéria. A solução está em assumir – Raskólnikov encontra paz ao encarar o crime, não ao fugir. Para os rapazes que acham que violência é sinónimo de força, o arco do protagonista pergunta: estará o verdadeiro poder em aguentar a queda, ou em fugir dela?

Notas do Subterrâneo corta mais fundo, um grito rouco de uma alma que podia ter escrito manifestos incel. O protagonista, que nem um nome merece, esconde-se no seu canto, uma mente afiada demais, a odiar o mundo que não o aceita. A juventude dele já passou, mas o desvario ficou, uma raiva que não constrói nada. O preço é uma vida enterrada — sem crescimento, sem luz. Onde está a porta quando tu a trancas? Dostoevsky não responde, mas o aviso soa: o ódio é um espelho, não uma janela. Para os rapazes presos na rejeição: a tua raiva liberta-te ou enterra-te vivo?

Andrew Tate é barulhento, fácil, e acaba num beco. Dostoevsky é um labirinto – confuso, profundo, exigente. Tate cria rapazes como os três influencers, que levam a violência ao extremo; ou Jamies, que implodem quando o guião falha. Dostoevsky forja Míchkins, Stavróguins, Raskólnikovs – tortos, sim, mas a lutar por algo maior. Os dilemas batem com o que prende os rapazes à cultura incel: sentir-se à deriva, sem amor, sem força. Tate atiça o fogo; Dostoevsky destapa as brasas. Um dos caminhos acaba em algemas ou vergonha. O outro em redenção e crescimento, se houver coragem para o seguir.

Não podemos, nem devemos, calar todos os Tates, mas podemos responder com histórias melhores. Pais, professores, quem seja — ponham Dostoevsky nas mãos destes rapazes. Deixem-nos sentir a culpa de Raskólnikov antes de pegarem numa faca, ver o vazio de Stavróguin antes de engolirem a red pill. Adolescence e os três influencers portugueses não são só notícias – são alarmes que se juntam a uma lista em constante expansão. A misoginia não é brincadeira, é um flagelo. Dostoevsky não é uma cura milagrosa, mas um farol. Num mundo de cliques e barulho, ele murmura: olha para dentro, enfrenta-te, cresce. É essa a masculinidade que precisamos – não o alarido de Tate, mas uma força que resiste e se expande.