Nos últimos 15 anos o investimento em obras públicas foi muito reduzido e por isso pouco percetível a inadequação do Código dos Contratos Públicos (CCP) para contratar e execução de empreitadas. Já sofreu 24 alterações, mas continua a não servir, como ficou à vista com o PRR, pois as disposições do CCP fazem parte do problema.

O CCP, nesta matéria, deveria ser revogado e substituído pelo antigo Regime Jurídico de Empreitadas de Obras Públicas (RJEOP), o que reúne um amplo consenso.

As disposições do RJEOP foram concebidas por técnicos conhecedores de construção, com conceitos, definições e procedimentos que tinham em conta a especificidade de uma obra, a qual não se pode confundir com a contratação de outro tipo de bens.

Quando em 1969 foi publicado o primeiro RJEOP, o projeto de execução foi definido como o elemento essencial para permitir ao empreiteiro determinar o custo, o prazo e a qualidade da obra a executar.

Em 1986 e 1993 foram introduzidas alterações para adaptação de diretivas comunitárias, e em 1999 foi publicada a última alteração, o DL 59/99, visando fixar, entre outras disposições, o limite de 25% de custo adicional face ao valor do contrato.

Durante 40 anos as obras públicas, que contribuíram para transformar o país, foram executadas seguindo o RJEOP e os técnicos conheciam as disposições, sem necessidade de recorrer a juristas para lhes explicarem o que era da sua competência.

O equilíbrio entre os direitos e deveres das partes e a experiência fizeram daquele regime uma referência e 60% dos litígios foram resolvidos por arbitragem no Conselho Superior de Obras Públicas, sem recurso ao Tribunal.

O mérito foi também reconhecido pelos donos de obra privados que passaram a utilizar este regime, com adaptações, para a contratar obras.

Em 2008, para surpresa e à revelia de todos os intervenientes, donos de obra pública, projetistas, empreiteiros e fiscalização, o RJEOP foi revogado e substituído pelo CCP, também aplicado à contratação de empreitadas, projetos e fiscalização de obras.

O que anteriormente era do conhecimento dos técnicos ligados à construção passou a ter que ser explicado por juristas, pois mudaram os conceitos, definições e os procedimentos. Um mundo novo que obrigou a gastar milhões de euros em formação, pareceres sobre o que antes se sabia e deixou de saber e litígios em Tribunal.

Com o CCP o concurso limitado passou a ajuste direto, o que não é a mesma coisa.

A reclamação de erros e omissões do projeto passou a ser exigida a todos os concorrentes, na fase de concurso, como se fosse possível medirem o projeto sem terem ganho a obra.

Foi abolido o conceito de preço global ou de série de preços, essencial para garantir o preço. A fixação do preço base como limite ao valor do contrato levou a que muitos concursos ficassem desertos. Mas durante a execução da obra os trabalhos complementares podem atingir 50% do valor do contrato, segundo uma diretiva comunitária de 2014, o que é revelador da pouca importância dada ao projeto, talvez uma vaga ideia.

A relação do que não serve é muito extensa. Mas não é apenas na contratação de empreitadas, há outros tipos de contrato, e as parcerias com privados são, entre outras razões, uma fuga para o Estado assegurar a boa gestão que não consegue com as regras que impõe a si próprio. São procedimentos administrativos que não servem para produzir o que quer que seja, segundo eficientes critérios de gestão.

Podem continuar a fazer alterações, mas sem a revogação do CCP e a entrada em vigor do antigo RJEOP, atualizado, a execução de obras e a gestão pública regida pelas boas práticas ficará a aguardar melhores dias.