É chegada a hora. Há um ano, depois de uma vitória tão curtinha como a ambição de quem a conquistou, ficara anunciada no horizonte a tentativa de recriar o momento 1987. Desde então, estamos em campanha eleitoral– distribuindo esmolas, anunciando a paz e o progresso, satisfazendo corporações, procurando a estabilidade. O objectivo de Luís Montenegro parece ter sido sempre esse, o de repetir o momentum do cavaquismo. O do Governo terá sido outro, suponho, por entre uma mão cheia de ministros de cuja boa vontade não me parece justo desconfiar, mas a vontade do Primeiro-ministro dificilmente terá sido outra coisa que não a de reforçar a sua maioria, eventualmente cobiçar uma maioria absoluta, como um fim em si mesmo. O que esperar, afinal, de uma geração de políticos cujo grande feito e especialidade é ganhar eleições internas e semear bagos de poder que servem apenas o poder em si mesmo?

As sondagens destacam os indecisos, aquele extenso rol de cidadãos que acumula anos a assistir a um espectáculo com a mesma resignação com que se suporta as chuvas de Março ou o calor do Verão. Experimentou, brevemente, o protesto através do voto, e o que obteve foi mais razões para protestar. Entre pilha-galinhas, chico-espertos e tontos de diversos graus, a vida partidária portuguesa assemelha-se mais hoje a um daqueles livrinhos de auto-ajuda que, há uns anos, prometiam a felicidade a quem tratasse bem o intestino. É um ofício de subsistência praticado por inúteis, aqui e ali perpetuados em dinastias de família ou de amizades, feudos personalizados de imbecilidade. Fazer o quê?

Não se consumirá muito tempo a discutir programas – quem os lê, afinal? Não se perderão horas de sono a avaliar líderes, todos juntos compondo um exército de barro destinado a proteger um país defunto, nenhum deles com particular rasgo ou grande utilidade. As eleições serão ganhas pelo que se assemelhar mais ao português-padrão e parecer menos tolo que os outros. Pedro Nuno Santos poderá disputar a primeira virtude, mas não passa no teste da segunda. André Ventura, portuguesíssimo da silva na forma como esbraceja de forma inconsequente, não sendo tonto também não faz por parecer ser outra coisa. Luís Montenegro beneficiará dos erros dos outros dois, apostados em desencantar um escândalo de corrupção num caso de chico-espertismo. Ventura  já tentou fazer dele o último Sócrates, num exercício de exagero; Pedro Nuno procura ainda explorar um caso de falha ética e fazer dele um caso de polícia. Como se o país não tivesse já demonstrado a sua imunidade a todos os casos, como demonstram 1,5 milhões de votos em Sócrates em 2011, o recente reforço da maioria de Miguel Albuquerque, ou até a forma como o PS conseguiu oito anos de poder sem nunca se ter purgado do socratismo. Montenegro, num país de chico-espertos, não sairá muito beliscado, imagino. O país aprecia o homem importante no meio pequeno, mesmo que se venha a revelar um pequeno homem quando chega ao meio importante. Descartá-lo-á no devido tempo, depois de o elevar. Com ele em São Bento, reforçado, e depois com Gouveia e Melo em Belém, poderemos conhecer uma espécie de reedição da dupla Costa-Marcelo: a garantia de que nada de substancial mudará, mas desta feita com menos aparato, maior ilusão de gravidade e autoridade, e igual irrelevância. Parece um novo ciclo que se fecha enquanto outro se inaugura, assegurando que nada se altera.

Nas televisões e na imprensa, claro, gastaremos imenso tempo a tentar compreender tudo ao detalhe, de cada palavra proferida na campanha a todos os resultados obtidos na noite eleitoral. Também nós somos parte do entretenimento. Mas talvez as coisas sejam mais simples de entender do que pode parecer. Porque, no fim de contas, fica sempre a pergunta «para quê?». Para que serve ganhar este ou aquele, quando o único elemento que parece contar para a definição de um vencedor é a promessa da estabilidade em prol de coisa nenhuma? Só se for para que as indignações com a sabujice do adversário ganhem rotatividade, e se permita a indignação selectiva em função do actor. A política portuguesa não é outra coisa que não um teatrinho a que somos convidados a participar, e à qual falta, não uma substância que a lidere, mas um dramaturgo que a encene.