Em 1977, um jornalista da revista brasileira Veja passou 40 dias num hotel de Havana à espera de ser chamado para entrevistar Fidel Castro. Ainda em São Paulo, na redação, o diretor tinha-lhe dito que, na conversa, era fundamental perguntar ao ditador porque é que não havia eleições em Cuba. Fidel, naturalmente, não se deixou atrapalhar. Respondeu, como se estivesse a debitar a mais ingénua das banalidades, que os cubanos já tinham “feito as suas escolhas” e que, por isso, não havia necessidade de repetições.

Não se pode dizer que Portugal carregue às costas o mesmo problema. Tivemos eleições legislativas a 30 de janeiro de 2022, depois a 10 de março de 2024 e agora a 18 de maio de 2025 — ou seja, três em quatro anos. Algumas luminárias, temendo talvez ser confundidas com Fidel Castro, juram que as eleições “nunca são um problema” porque o voto é sempre “a festa da democracia” (ou algo similarmente poético). Obviamente, quando estamos a falar de uma contabilidade de eleições, antes a mais do que a zeros. Mas, mesmo assim, o excesso pode transformar-se num problema agudo. Numa democracia representativa, os eleitores votam em políticos com a expectativa de que eles exerçam um mandato específico num período de tempo previamente determinado. Só quando o sistema falha é que se torna obrigatório voltar ao início — se o sistema falha muitas vezes, e se é repetidamente necessário voltar ao início, então não há dúvida de que temos “um problema”.

Apesar disso, há razões para manter um cauteloso otimismo. Por maior que seja o dramatismo desta campanha, a verdade é que hoje em dia somos muito bem comportados. Há quem esteja preocupado com a possibilidade de as eleições antecipadas se transformarem numa saraivada de injúrias e insinuações? Olhem para trás e ponham tudo em perspectiva. Em 1796, na campanha presidencial que opôs dois respeitáveis fundadores dos Estados Unidos, Thomas Jefferson pagou ao diretor de um jornal para publicar artigos críticos do seu rival John Adams. Um desses textos descrevia Adams como “um repugnante personagem hermafrodita, que não tem a força e a firmeza de um homem nem a suavidade e a sensibilidade de uma mulher”.

As sondagens mostram que os eleitores portugueses estão descontentes com a necessidade de enfrentarem mais uma campanha? No século XIX, em Inglaterra, como contam os historiadores Dominic Sandbrook e Tom Holland, os eleitores entretinham-se a atingir os deputados “com peixes e ovos podres e com cães, gatos e ratos mortos”. Apesar de tudo, nestes nossos dias pacíficos, o pior que pode acontecer a um político (e aconteceu, precisamente a Luís Montenegro) é atirarem-lhe com uma quantidade negligenciável de tinta verde. Grave? Sim. Comparável ao cadáver de um animal? Nem por isso.

Vários comentadores antecipam que a próxima campanha se transforme numa suja competição de luta na lama? Em 1974, a luta era feita com pedregulhos. Num comício do PSD em novembro desse ano, os dirigentes que discursavam dentro de um pavilhão tinham de berrar para se fazerem ouvir por cima do barulho intenso de pedras a caírem na cobertura metálica. Dois anos depois, nas primeiras eleições presidenciais em democracia, foram tiros. A 18 de Junho de 1976, em Évora, Ramalho Eanes ouviu disparos e pôs-se em pé no tejadilho do carro, com as mãos nas ancas, para mostrar que não tinha medo. Outro candidato, o então primeiro-ministro Pinheiro de Azevedo, teve um ataque cardíaco durante a campanha. Mesmo impedido de apelar ao voto, conseguiu ter mais de 14%. E não se deixou abalar. Pouco depois, daria uma entrevista em que aceitou falar sobre aquele contratempo: “Deitaram-me uns pozinhos no whisky…”

Não pretendendo recomendar a ninguém um whisky, com pozinhos ou não, os portugueses terão de arranjar forma de suportar as eleições legislativas antecipadas — às quais se seguirá, previsivelmente, um novo impasse pantanoso. É como diziam os outros, em condições infinitamente mais funestas: “Keep calm and carry on”.