Primeiro foi Pedro Siza Vieira. Estava Março a chegar ao fim e o antigo ministro, que chegou a ser número dois de António Costa, afirmava numa entrevista ao PÚBLICO: “Precisamos de um governo muito forte para uma emergência, um governo de bloco central”. Dias depois foi a vez de Ferro Rodrigues declarar que “o país pode estar a caminhar para uma situação limite que pode exigir uma solução desse género“, sendo que o género é o bloco central. Porquê este regresso da hipótese dum bloco central?
Não duvido que Ferro Rodrigues e Pedro Siza Vieira estejam a falar a sério. O que não é o mesmo que dizer que estão a ser sérios. E não estão a ser sérios porque não é o país quem está em emergência ou a caminhar para uma situação limite mas sim o PSD e o PS. Seja por declínio do eleitorado de esquerda, no caso do PS, ou por opção própria, no caso do PSD, graças ao sonante mas improdutivo “não é não” ao Chega, os dois grandes partidos vão ter de negociar entre si a governabilidade. Ferro Rodrigues e Siza Vieira intuem que isso será um problema maior para o PS do que para o PSD. Provavelmente têm razão mas podem poupar-nos à fantasmagoria da emergência nacional. Querem sim salvar o PS duma situação limite, mas esse é outro assunto.
Mas independentemente das razões que levam alguns socialistas (e não só) a virem agora defender um bloco central, esta solução é absolutamente desaconselhável neste momento. E por uma razão que não pode ser mais óbvia: o PS não é confiável. Ou coloquemos a questão duma forma mais directa: o que mudou no PS em 2025 para que possa ser considerado pela direita como o parceiro fiável que não foi em 2015?
Após as eleições de 4 de Outubro de 2015, que deram a vitória sem maioria absoluta à coligação PSD-CDS, António Costa manteve um simulacro de negociações com Passos Coelho (jogo de sombras chama-lhe Henrique Pereira dos Santos) enquanto negociava de facto com o BE e com o PCP, com os quais já estava em contacto com vista a uma solução de governo desde antes das eleições: no BE recorda-se “Os primeiros sinais dados pelo PS foram recebidos no sábado, dia de reflexão.” (…) Ana Catarina Mendes assume que foi nesse dia de reflexão que “o cenário de entendimento foi posto em cima da mesa“. (Alguma vez o chamado dia de reflexão havia de servir para alguma coisa!)
Existe alguma razão, reflexão, atitude ou simples corrente de ar, que permita concluir que o PS, em 2025, parte de boa fé para negociações com a direita? Ou é para repetir a pantomina de 2015?
Por fim a derradeira razão para que não tenhamos um bloco central é que para nosso azar ele já existe. Basta olhar para o que se discute nesta campanha eleitoral, com Pedro Nuno Santos a fazer de conta que é de centro e Montenegro a fazer de conta que pode ser de tudo e de nada, para perceber que PS e PSD apostam no regime que mais lhes convém: o social-imobilismo.
PS. Um dos fenómenos mais interessantes do jornalismo português é o permanente estado de indignação com os atentados aos direitos dos cidadãos norte-americanos levados a cabo pelo poder político daquele país, sobretudo quando a administração é republicana. Descobriram assim os jornalistas pátrios que nos EUA foi votada a Lei para Salvaguardar a Elegibilidade dos Eleitores Americanos (SAVE Act), que “prevê que uma pessoa tenha de apresentar pessoalmente um passaporte, certidão de nascimento ou outro documento que comprove a cidadania ao registar-se para votar ou ao atualizar os seus dados de registo eleitoral o que representará um obstáculo para milhões de norte-americanos que tenham mudado legalmente de nome, por via do casamento ou por questões de identidade de género, por exemplo.”
Ou seja ter de apresentar um documento que comprove a cidadania é visto como um obstáculo ao exercício do direito de voto. Nos EUA, claro. Em Portugal, no próximo dia 18 de Maio milhões de portugueses votarão, todos eles devidamente identificados. Alguém, a começar por quem escreve estes dislates, acharia normal que assim não fosse?