O mundo, para mudar, não parece por vezes precisar de muita coisa. Agora, por exemplo: Trump ganhou, e eis-nos de repente a viver noutra era. Em Portugal, já tivemos Pedro Nuno Santos a reconhecer que a política de portas escancaradas à imigração do governo de António Costa estava errada. Em França, François Bayrou admitiu que o país está a ser “submergido”. No Reino Unido, é o primeiro-ministro trabalhista quem acusa a direita de ter deixado as “fronteiras abertas”. Na Alemanha, o líder da CDU saltou por cima das linhas vermelhas e dispôs-se a colaborar com a AfD para refrear a imigração.

Para os últimos abencerragens de uma esquerda woke que ontem se julgava o futuro e hoje descobre que é o passado, tudo isto é uma rendição à “extrema-direita”. Se é rendição, temos de reconhecer que os partidos de governo dos regimes ocidentais não cederam sem luta. Durante anos, fizeram da imigração descontrolada um tabu. Mencioná-la já era “racismo”. No fim, nenhuma censura bastou para calar sociedades desequilibradas pelo afluxo súbito, caótico e ilegal de milhões de estrangeiros.

As sociedades ocidentais foram sujeitas à mais extraordinária de todas as experiências. As necessidades de mão-de-obra barata são reais. Mas tentou-se satisfazê-las abolindo as fronteiras. Nações antigas viram-se sob a ameaça de serem reduzidas a uma espécie de aeroportos internacionais, por onde as pessoas passassem sem nada mais terem em comum do que o acatamento de certas regras. Mas o fundamento das democracias liberais ou do Estado social não é simplesmente a obediência à lei, mas a comunhão de valores a que chamamos “nação”. As nações não são dados naturais: são o resultado da história, de séculos de conflito e compromisso. Na sua origem, não está qualquer homogeneidade, mas uma pluralidade que, sem desaparecer, chegou a um sentimento de solidariedade e destino comum que faz pessoas muito diferentes identificarem-se entre si. É a nação que explica que possamos ser diversos sem cairmos sempre em guerras civis. É um património que subjaz a quase tudo o que é precioso no Ocidente: a liberdade, a igualdade, a coesão social, o pluralismo. É a isso que chamamos “segurança”, que não é apenas a contenção da criminalidade, mas o sentimento de estarmos em casa.

Nada disto tem a ver com a cor da pele, dos olhos ou dos cabelos ou com origens geográficas, nem com todas as religiões ou ideologias. É uma questão de valores comuns. O problema das migrações descontroladas não é só a chegada de pessoas que não partilham tais valores, mas a proposta woke, que pareceu dominar os regimes ocidentais, de que não deveríamos pedir nem esperar adesão ou sequer respeito por esses valores. Foi o projecto woke, inspirado pelo ódio da extrema-esquerda ao Ocidente, que acima de tudo criou insegurança. O resto são tremendas dificuldades logísticas, que agravaram a falta de habitação e o colapso dos serviços públicos. O caos migratório não é compatível com qualquer integração. Através da imigração nestas condições, aquilo que a oligarquia fez foi reconstituir a massa de trabalhadores pobres e pouco qualificados que antigamente dava muito jeito à burguesia para arranjar criadas e moços de fretes. Em Lisboa, segundo os jornais, haverá em breve novos bairros de barracas para substituir os que foram eliminados há vinte anos. É isto o “progresso”?

Mas não foi a realidade das migrações descontroladas que fez mudar a oligarquia: foi o sucesso eleitoral de novos líderes e de novos partidos, isto é, o medo de perderem lugares e influências. Só por isso, mudaram de conversa. Esperam assim que a população volte a confiar neles. Voltará? Pode ser que não.

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