Há um texto bastante antigo de Aníbal Cavaco Silva, de 1978 quando ainda estava longe de ser o político que foi, que tem o sugestivo título “Políticos, burocratas e economistas”. A sua leitura é hoje tão actual como na altura, ainda que agora talvez merecesse ter os burocratas em primeiro lugar. Foram eles, os burocratas, mais até do que os políticos, que venceram esta batalha nos países das União Europeia. Basta olhar para a teia de regulamentações que se foi construindo e que hoje se pode considerar como um dos principais factores do atraso económico com que somos confrontados.
A presidência de Donald Trump e a violência com que tem actuado é um desafio de vida ou de morte para a construção europeia. Que só será vencido se os políticos tomarem as rédeas do futuro europeu. E é isso que não vai ser fácil. Porque os burocratas, os funcionários de Bruxelas interligados com a administração central de cada um dos países, não se vão deixar vencer. Até porque alguns burocratas estão vestidos de políticos ou até economistas. E caminharemos, infelizmente e lamentavelmente, para o precipício.
O caso da Groenlândia é um bom exemplo daquilo em que nos transformamos. Com riquezas únicas e uma posição estratégica, tem sido votada ao esquecimento merecendo da Dinamarca, no passado, a preocupação limitada e com os valores de hoje bastante condenável de aculturar os seus habitantes.
Mas podemos olhar para exemplos mais simples e acessíveis em qualquer computador. Tente-se, por exemplo, perceber quais são as novas regras orçamentais europeias sem a ajuda de nenhum especialista em “burocratês” europeu. É manifestamente impossível. Andamos perdidos pelos diversos sites da Comissão Europeia sem conseguirmos perceber afinal onde estão as regras e como funcionam. No entretanto encontramos relatórios e relatórios, o alimento preferido dos burocratas.
Tentemos depois perceber as regras ambientais. Os nomes das mais variadas diretivas são aterradores, como assustadoras são as próprias regras, parecendo ser feitas para ninguém entender, abrindo espaço para os negócios da interpretação dos papéis produzidos nos gabinetes de Bruxelas. O pináculo do ridículo é atingido com as já famosas tampas das garrafas de plástico, mostrando bem como era uma brincadeira de crianças aquilo que foi satirizado na série “Yes Minister”.
Os fundos europeus, incluindo aquele que deu origem ao PRR, estabelecem prioridades que, como estamos a ver, foram completamente desajustadas. Em Portugal traduziram-se em rotundas, auto-estradas que são pistas de corridas com poucos acessos aos aglomerados populacionais, centros culturais espalhados por todo o lado e sem recursos para terem actividade. E, apesar de toda a conversa sobre o ambiente, falham os transportes públicos, da ferrovia nem se fala – um autêntico mistério – e vivemos na ilusão que temos um Estado que dá educação e saúde para todos.
Nos países europeus, tal como em Portugal, a regulação e regulamentação tem travado o crescimento e paralisado as decisões quer do Estado como das empresas. Não é por acaso que as start-ups europeias escolhem ir para os Estados Unidos em vez de se desenvolverem nos seus países de origem. E quando não são as regras a impedir a rápida decisão e concretização dos projetos, é a batalha político-partidária, como vemos em Portugal agora com a erradamente designada Lei dos Solos. Parece que ninguém se foca no objetivo – aumentar urgentemente a oferta de habitação – e todos se concentram na destruição de qualquer solução.
Mais grave ainda, aquelas que são as funções nucleares do Estado, a segurança interna, a defesa e a administração da Justiça, foram deixadas ao abandono. Parece que todos se esqueceram que essas são as principais funções do Estado, concentrando as energias e os recursos nas funções sociais e económicas. E assim se esqueceram que não há Estado Social sem Economia e nenhuma destas duas sem um Estado a desempenhar as suas funções de soberania.
É um mistério que face a este cenário a União Europeia considere que existe um ambiente favorável ao crescimento. Em Portugal é um mistério como é que, com exceção das grandes empresas, com acesso ao poder, alguém ainda se aventura a ser empresário.
Donald Trump é uma oportunidade para a União Europeia acordar, condenar à morte a sua fúria legislativa e concentrar-se no essencial, libertando a sociedade do excesso de regras. A simplificação dos processos e, em geral, a desburocratização devia ser a prioridade, transferindo ao mesmo tempo a energia das pessoas e o dinheiro para as funções de soberania.
Não vai ser fácil vencer este desafio. Os políticos deixaram-se engolir pelos burocratas ou temos burocratas e economistas mascarados de políticos. A União Europeia viu-se, com Trump, confrontada com a sua irrelevância. E o sistema contaminado por incentivos perversos não vai ser capaz de encontrar, dentro dele, uma solução. Vamos viver tempos difíceis.