“O que hoje muito me choca é ver o debate político resvalar com frequência para a gritaria, para a falta de educação, para a linguagem grosseira e insultuosa (…) Um futuro governo social-democrata, presidido pelo Dr. Luís Montenegro, terá à sua frente muito trabalho. Deve primar pela prática da transparência e da ética política. Ser exemplo de boa educação no debate político, falar a verdade aos portugueses.”
Aníbal Cavaco Silva, 20 de maio de 2023

Existem duas figuras de relevo do PSD que ainda não se pronunciaram publicamente sobre a crise que resultou na queda de Luís Montenegro: Pedro Passos Coelho e Aníbal Cavaco Silva. O silêncio do primeiro é relativamente fácil de interpretar. Passos, com quem a atual direção do PSD quis romper, tornou-se há muito um crítico da estratégia seguida por Montenegro e achará tudo o que aconteceu lamentável. Mas escolheu não falar. Nem bem, nem mal. O futuro dirá se este silêncio será inteiramente compreendido por todos aqueles que nele procuravam um sinal.

Todavia, o silêncio de Aníbal Cavaco Silva, por ser tão contrastante com o apoio público que manifestou repetidamente a Luís Montenegro, levanta uma dúvida razoável: o antigo Presidente da República, que emprestou o seu capital político a Montenegro nas últimas eleições legislativas, concordará ou não com o que o atual primeiro-ministro fez antes e durante esta crise política?

Ao contrário de Passos Coelho, Cavaco Silva foi de facto elevado a santo padroeiro por Montenegro. E empenhou-se ativamente na defesa do agora primeiro-ministro. Não apenas a 20 de maio de 2023, quando chegou a dizer que Montenegro estava “mais preparado” do que ele em 1985, mas também no Congresso de 25 de novembro, o tal em que, já com António Costa caído, abençoou formalmente Montenegro e galvanizou, com a sua mera presença, a família social-democrata — sinal de apoio que repetiria na reta final da campanha eleitoral.

Sabemos o que Aníbal Cavaco Silva pensava de António Costa. Manifestou-o em muitos momentos, sobretudo através de artigos de opinião que foi publicando regularmente (aqui, aqui e aqui). Também sabemos o que escreveu no livro A Arte de Bem Governar, publicado em setembro de 2023. Dizia o seguinte: “O mais importante é o primeiro-ministro ser rigoroso na prática da transparência e da ética na vida política e falar verdade”.

Sabemos, através de um artigo de opinião publicado no Expresso, que o antigo Presidente da República só via duas soluções razoáveis para que o país voltasse a dispor de condições políticas para dar um “salto em frente”: um futuro Governo maioritário; ou um “entendimento tipo pacto de regime entre os partidos que apoiam o Governo e partidos da oposição”.

Sabemos também o que Cavaco Silva pensava sobre moções de confiança — ele que, enquanto primeiro-ministro, apresentou uma em 1986, que só foi ultrapassada depois de algumas cedências. “Sou contra eleições antecipadas (…) Este Governo com certeza que não vai apresentar uma moção de confiança (…) Tomei [em 1986] uma decisão muito arriscada, e que não aconselho a outro Governo, de apresentar uma moção de confiança. A moção de confiança foi aprovada. Foi a única moção de confiança de um Governo minoritário que alguma vez em Portugal foi aprovada”, recordou o antigo Presidente da República, numa entrevista ao Observador em julho de 2024.

E sabemos ainda, através de uma fuga de informação e de discurso indireto (logo necessariamente parcial), que Aníbal Cavaco Silva terá feito uma intervenção “muito curta” no último Conselho de Estado, em que terá defendido que a moção de confiança apresentada por Luís Montenegro se tornou, a dado momento, inevitável e que era importante clarificar a situação política atual, tendo mostrado sinais de preocupação com o futuro do país em termos de governabilidade. Nada mais.

Pelo que, e perante o silêncio de Cavaco Silva, sempre tão proativo na crítica a Costa e na defesa de Montenegro, as dúvidas mantêm-se como razoáveis: o antigo Presidente concordará com a conduta ética e política do primeiro-ministro? Achará que foi suficientemente transparente nas explicações que deu? Entenderá que a moção de confiança foi uma decisão acertada? Estará convicto de que Montenegro fez tudo ao seu alcance para evitar este desfecho? E o que pensará sobre a linguagem utilizada no último Conselho Nacional do PSD? Não sabemos. Mas era importante sabermos. A menos que o silêncio de Cavaco Silva seja revelador.