A 11 de Março, a Ucrânia concordou, sob pressão americana, com uma proposta preliminar de Trump para um cessar-fogo de 30 dias, como um passo para acabar com a guerra.
Marco Rubio, o responsável pela política externa americana, que na questão ucraniana tem andado a procurar colocar água nas fervuras do Presidente americano, declarou que a bola estava agora do lado russo.
Aparentemente Putin já terá sinalizado que não aceita a bola tal qual ela vem e quer devolvê-la com uns pesos agregados. Concorda com o “desejo” de Trump num cessar-fogo, mas não com o cessar-fogo em si, nos moldes em que está.
É óbvio que a Rússia não tem pressa e irá encanar a perna à rã, atrasando uma eventual resposta objectiva, até porque precisa antes de reganhar o controle completo da região de Kursk, objectivo tornado subitamente possível pela traição da Administração Trump que cegou durante uns dias as principais armas e fontes de informação operacional e táctica da Ucrânia.
E não tem pressa porque acredita, ou sabe, que Trump, para além de ameaças hiperbólicas sobre eventuais sanções económicas, irá tranquilamente abandonar a Ucrânia.
Na imprensa e nas redes sociais russas, a ideia de um cessar-fogo imediato é comentada com desdém, alegando-se que isso iria a conceder tempo à Ucrânia, à Europa e à OTAN, para se rearmarem e reorganizarem. E o que diz a imprensa russa é o que Putin quer que se diga.
Na minha opinião, mesmo que todo esta gesticulação diplomática lograsse um cessar-fogo temporário e até um acordo final, coisa que os russos manifestamente não querem (Trump: Chamberlain ou Conspiração contra a América?), como pode alguém confiar na assinatura russa?
Vladimir Putin violou ostensivamente todos os acordos formais sobre a Ucrânia, que a Rússia assinou e ratificou, a saber:
- O Memorando de Budapeste de 1994, segundo qual a Ucrânia abdicou do seu arsenal nuclear em favor da Rússia, em troca de garantias de segurança e respeito russo pela integridade territorial ucraniana.
- O Tratado de Amizade, Cooperação e Parceria de 1997, pelo qual Rússia e Ucrânia se comprometeram a respeitar as fronteiras um do outro.
(Estes acordos foram deitados para o lixo em 2014, quando Putin tomou a Crimeia e entrou com forças separatistas russas no Donbass.)
- Os Acordos de Minsk de 2014-2015, que visavam parar a agressão da Rússia no leste da Ucrânia, foram logo desrespeitados, e ostensivamente violados em 2022, com uma invasão em regra.
Muita gente, incluindo o poder em Kiev, entende que é improvável no curto prazo um acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia a não ser como táctica para preparar um futuro ataque.
O Kremlin não deu, até agora, quaisquer sinais de estar pronto a fazer concessões e mantém os seus objectivos maximalistas que consistem, grosso modo, em transformar a Ucrânia num estado vassalo. E agora ainda menos, porque acredita estar numa posição de força, embora Trump tenha dito que não é bem assim, por razões que “só eu sei” (sic).
Na bolha de percepções do Kremlin, o seu potencial relativo de combate é bastante favorável. Tem mais homens, mais armas e munições, está a funcionar numa economia de guerra e conta com o apoio declarado, consistente e substancial de países como a China, Irão e Coreia do Norte.
Olha à sua volta e o que vê é uma OTAN suspensa na dúvida da credibilidade e uma profunda e inflamada fractura a cavar-se no mundo ocidental e na própria Europa.
Por que razão aceitar parar a guerra, se acredita estar a ganhar? Na verdade, se o objectivo de Putin fosse parar a guerra e a mortandade, bastava uma simples ordem e já teve 3 anos para a dar.
A guerra foi e é uma decisão de Putin, os seus objectivos foram claramente explicados por ele mesmo em 2022 (On the Historical Unity of Russians and Ukrainians).
A sua teoria de vitória, revista após o falhanço da blitzkrieg de 2022, repousa na massa (um dos princípios da guerra) e implica atrição, ou seja, esgotar o potencial humano e material da Ucrânia, ou levá-la ao ponto de ruptura psicológico. E esgotar também as capacidades logísticas genéticas do Ocidente, no que toca a armas e munições.
Faz sentido. Na presente equação, só a indústria militar russa está a produzir por ano, mais do triplo do que a indústria militar de todos os países da OTAN.
A Rússia anexou oficialmente quatro oblasts ucranianos, bem como a Crimeia, embora não os controle na totalidade. Não é sequer imaginável que a Ucrânia se retire das áreas que controla e pelas quais lutou de forma tão empenhada.
Mas uma efectiva negociação com Moscovo, teria de incluir discussões sobre territórios ocupados, impensável reconhecimento internacional de terras ocupadas, ajuda internacional e apoio à Ucrânia, confisco de activos russos congelados, a política interna ucraniana, o retorno de prisioneiros de guerra e crianças sequestradas, etc.
Muitos sapos para Putin engolir, quando pensa que não tem de o fazer.
Em suma, nas presentes circunstâncias, Putin só fará um acordo que lhe dê aquilo que procurou obter quando desencadeou a invasão e que o tem levado a aceitar centenas de milhares de baixas. E esse acordo durará apenas o tempo que entender necessário para criar as condições para continuar.
A única maneira de garantir que Putin não invada outro país é reforçar as alianças, aumentar os gastos com defesa, proteger as redes de comando e controle, criar uma real capacidade de dissuasão e arquitectar uma contra-estratégia que anule todas as acções da estratégia de Putin, de modo que elas tenham mais custos que proveitos.
Porque, com acordo ou sem ele, a Rússia continuará a fazer a ” New Generation War” em todo o lado onde exista uma oportunidade, com operações abertas ou clandestinas para expandir a sua influência geopolítica, interferência eleitoral, guerra cibernética, espionagem, sabotagem e operações de desestabilização. O conceito de “paz” não coincide com o nosso, para a Rússia o confronto é constante, o que varia é a forma e a intensidade.
O Kremlin só entende e respeita a linguagem da força pelo que, para evitar futuros ataques à Ucrânia e a outros espaços, tem de percepcionar-se a si mesma na situação de incapacidade de vencer, como aconteceu com a Guerra Fria, ou o Afeganistão.
Não parece que Donald Trump esteja a entender a magnitude do problema e seja capaz, ou queira sequer, enfrentar a realidade de uma Rússia imperialista.
Mesmo que a sua ideia inicial fosse apenas separar a Rússia da China, não vai por bom caminho.
A sua resposta à recusa ou arrastar dos pés da Putin, esclarecerá o que precisa de ser esclarecido.
Entretanto os vizinhos da guerra, que sabem bem o que o urso russo costuma fazer, já estão a cavar trincheiras.
A Polónia paga um salário de 1500 euros a quem se apresente para treino militar e apresta-se para se dotar de dissuasão nuclear. A Ucrânia, se sobreviver ao futuro próximo, deverá fazer o mesmo.
Se houvesse honestidade intelectual naqueles que nos nossos media continuam a usar o seu acesso privilegiado para propagandear a narrativa do Kremlin, como os generais Carlos Branco, Agostinho Costa e o comentador Tiago Lopes, reconheceriam que o mundo em que os seus filhos irão viver, será um lugar muito mais perigoso.
Pela exclusiva culpa do homem que tão zelosamente defendem, “compreendem” e admiram: Vladimir Putin!