Estamos num daqueles períodos da nossa vida democrática em que a generalidade dos problemas tem solução e em que as perspectivas são risonhas para quase todos: uma campanha eleitoral.
Das propostas que habitualmente constam dos programas eleitorais sabemos, à partida, que as podemos dividir logo em dois grandes grupos: aquelas cujo cumprimento depende apenas da assinatura de um decreto ou da aprovação de uma lei; e aquelas que estão dependentes de planeamento, uma sucessão de actos administrativos e legislativos, processos longos, políticas públicas pensadas e uma necessária execução no terreno.
Por experiência, sabemos também que as primeiras terão grande probabilidade de ser executadas. Trata-se, na maior parte das vezes, de aumentos de prestações sociais ou alívios fiscais para grupos de cidadãos precisos que apenas dependem da capacidade orçamental do país.
Com as segundas é mais complicado. Num Estado que tem cada vez menor capacidade de planeamento e de execução, as boas vontades eleitorais para desatar os nós da Saúde, promover maior acessibilidade à habitação ou garantir serviços públicos que não obriguem utentes a ir para a fila às quatro da manhã para conseguir uma senha para meses depois, são promessas que se vão eternizando nos programas dos partidos.
Como assinar leis e passar cheques requer pouco mais do que a vontade dos governantes e legisladores, é essencialmente por aí que vão as propostas partidárias. Mexe-se na receita e na despesa porque mexer na máquina e fazê-la mover-se é cada vez mais difícil.
Quis uma feliz coincidência de calendário que a divulgação do exercício de previsões do Conselho de Finanças Públicas (CFP) acontecesse neste período eleitoral. O CFP diz que “a margem orçamental de Portugal é reduzida e já foi amplamente utilizada” e que “não há margem para fazer mais medidas de política” sem que haja compensações.
E prevê que, num cenário de políticas invariantes, para o ano o país regressará ao défice, estimado em 1% do PIB.
Não relevo particularmente esta previsão precisamente porque é feito no cenário de “se nada se fizer para o contrariar” – nem outra previsão seria possível neste momento, já que nem governo temos, quanto mais o Orçamento do Estado do próximo ano.
Mas estas previsões não perdem, por isso, o seu valor. Elas mostram que o próximo governo terá que ser proativo em medidas que previnam um défice que regressará se deixarmos simplesmente funcionar as dinâmicas próprias da economia e do seu efeito nas receitas e despesas do Estado.
Acresce que, naturalmente, as contas do CFP foram feitas sem incluir os custos das medidas que os partidos estão a apresentar neste período eleitoral. Essa factura acresce ao défice 1% previsto.
Devia ser obrigatório que cada partido dissesse como vai compensar cada aumento de despesa ou redução de receita que tem previsto no seu programa eleitoral. O crescimento económico previsto ajuda a pagar algum crescimento da despesa mas, como se vê, já nem chegará para o crescimento dos encargos decorrentes das leis e obrigações que já estão em vigor. Se a isto juntarmos a incerteza internacional que pode ser paralisante e recessiva, temos pela frente um exercício orçamental difícil.
Isto serve para recordar os mais distraídos que o excedente orçamental que, felizmente, fomos conseguindo em vários dos últimos anos não é um novo estatuto adquirido pelo país que se renova automaticamente.
O equilíbrio das contas públicas tem que ser trabalhado e conseguido ano após ano, orçamento a orçamento, partindo sempre de uma base mais exigente: patamares de despesa fixa mais elevados, que precisam de mais impostos para serem pagos.
Os recentes aumentos salariais, as alterações feitas em várias carreiras da função pública e o aumento de prestações sociais são despesa fixa que não recua. Serão todos justos e necessários, mas esgotaram a dita margem orçamental que havia.
Novos passos a partir daqui exigem uma responsabilidade que, até ver, parece ausente desta campanha eleitoral.