Por esta altura já deve ter ouvido falar várias vezes da importância da sazonalidade, do ato de comer ingredientes (sejam eles vegetais, carnes, peixes ou qualquer outro) que estejam “na estação”. Sendo a natureza um universo de ciclos, estranho seria não ter a noção de que a nossa comida — parte integrante do tal mundo natural — não funcionasse no mesmo registo. Ou seja, da mesma forma que existem as épocas das chuvas ou do calor, também as espécies de vegetais ou de peixes, por exemplo, têm seu momento certo, a fase do ano em que atingem o seu potencial de sabor e sustentabilidade.
Por muito que a industrialização da comida tenha deturpado completamente essas fases de crescimento e desenvolvimento (ou a nossa perceção das mesmas), a verdade é que muitos cozinheiros não perderam a noção de que há ingredientes que só devem ser consumidos em certas alturas. É precisamente por isto que nos seus restaurantes os menus vão mudando regularmente: Para garantir que sabor e consumo consciente andam de mão dada e, com isso, funcionam como garante de qualidade.
Três espaços em concreto, de norte a sul do país, acabam de apresentar os novos pratos “de estação” que estarão disponíveis durante grande parte da primavera/verão. O Vista (uma estrela Michelin), em Portimão; o Lab by Sergi Arola (uma estrela Michelin), em Sintra; e o The Yeatman (duas estrela Michelin), em Vila Nova de Gaia, são os restaurantes em questão e em todos eles já poderá provar uma série de novas iguarias. Na listagem que se segue vai poder conhecer mais ao pormenor aquilo que cada um se propõe a oferecer.
Lab by Sergi Arola, Penha Longa Resort, Sintra

O catalão Sergi Arola é o “chef rock’n’roll” que assina a carta de um restaurante no Penha Longa Resort, em Sintra. Distinguido com uma estrela Michelin em 2016, o espanhol passou um ano de medalha ao peito e os reflexos positivos dessa conquista, confirmam responsáveis do negócio, nota-se. A procura aumentou e as reservas, por sua vez, seguiram o mesmo caminho. Não se pode dizer que isso tenha interferido no processo de idealização dos novos pratos, mas mesmo assim, a fasquia psicológica fica mais alta e a necessidade de inovar, melhorar, faz com que haja muitas novidades.
Não contando com a opção “à la carte”, existem três menus de degustação à escolha: o menu “Descobertas”, que inclui cinco momentos (tapas, entrada, prato de peixe, de carne e sobremesa) e custa 95€ por pessoa (135€ com a maridagem de vinhos); o “Sergi Arola”, por 110€ por pessoa (165€ com vinhos), que já prevê a tapa de boas vindas, duas entradas, peixe, carne e duas sobremesas; e o menu “De Loucura a Loucura”, a mais extravagante das opções que tem o preço de 130€ por pessoa (200€ com vinhos) e dá-lhe a provar todos os pratos da carta.
Sobre a listagem de pratos em si, o chef Arola diz que “procurou inovar” mas sem esquecer os “clássicos”. Começando precisamente por esses, é de destacar que as suas famosas “loucuras “ — uma seleção de várias pequenas tapas, cada uma representativa de uma parte de Espanha, que são servidas como amuse bouche — não foram a lado nenhum. As novidades, porém, começam logo na secção das entradas, onde passa a existir uma ostra servida com creme de espumante, salsifi e salty fingers (espécie de erva carnuda de travo amargo/salgado) e os raviolis de cavala com consome do mesmo peixe e pó de azeitona preta do Alentejo, por exemplo. Destaque importante para uma “permanência” de peso, a das molejas de vitela (glândula do pescoço dos vitelos) assadas em especiarias com flan de espargos verdes e maionese de azeite.
Este espaço de onde saiu o chef residente Milton Anes (para o seu lugar foi Vlademir Veiga) também serve agora um mexilhão muito especial, como entrada: servido sobre uma pedra — “apanhei-as no outro dia, no Guincho”, explica Arola — surge uma casca que em tudo parece a do bivalve mas com a particularidade de ser feita de alga noori. A ela junta-se uma esferificação com sabor a mexilhão. Há ainda a Laranja Sanguínea, criação da nova chef pasteleira Sara Soares composta por gelado deste citrino, esponja de pistáchio, chocolate golden e gomos braseados deste fruto.
A grande novidade é mesmo o carro de queijos que surge como ponto final de toda a experiência. O chef escolheu vários queijos tipicamente portugueses — evitando clássicos como o queijo de Azeitão ou o Serra — como o amarelo da Beira Baixa (teoricamente, o favorito de Maria de Lourdes Modesto) ou de cabra da Maçussa. A acompanhá-los há uma fatia de pão torrado e uma batata ratte (serve para limpar o palato, entre provas).
Vista, Bela Vista Hotel, Portimão

“Vê-se mesmo que ele é algarvio”, ouvia-se na sala de jantar do Vista no preciso momento em que foi servido o já famoso prato de carapau (às vezes também pode ser sardinha, depende da disponibilidade dos mares) com uma espécie de versão refinada da típica salada montanhesa e o desenho de um esqueleto de peixe no prato. O comentário seria extremamente banal se não se tivesse em conta que João Oliveira, o chef deste restaurante, fosse do extremo oposto do país, de Valongo. ora depreende-se então que esta observação não podia ser mais elogiosa.
Radicado no Algarve há vários anos, o jovem cozinheiro que ganhou em 2017 a sua primeira estrela Michelin já se tornou famoso pela sua apetência especial para tudo aquilo que nasce do mar — e isso continua a acontecer na nova carta. “Mudámos praticamente tudo, só ficaram uns quantos pratos que já se tornaram clássicos, as pessoas perguntam sempre por eles”, explica o chef depois de mostrar os cantos à casa — perdão, cozinha.
Depois de uns meses de descanso e remodelações o Vista reabriu no passado dia 2 de março e com o início de nova temporada veio o menu “Mar e Sustentabilidade”, uma das grandes novidades do chef que com ele pretende dar continuação ao trabalho que tem vindo a desenvolver dentro do campo da alimentação equilibrada. “Falamos de um menu sustentável, sem hidratos de carbono, sem glúten, com respeito pelos sabores, pelos seus produtores e 95% de origem portuguesa”, explica João Oliveira.
Na nova ementa existe 12 momentos, divididos pelos habituais amuse bouche — como a ameijoa do Algarve com sumo de lichia e pickle de aipo ou lingueirão com pera rocha e codium (espécie de alga) — pratos principais — o tal carapau “montanhês”, a raia com amêijoa e tupinambo (tubérculo) — e sobremesas — deliciosamente fresca, a mistura de maçã verde, aipo e wasabi. No total, esta experiência custa 90€ por pessoa, sem vinhos.
Existe ainda outro menu, o “Experiência do chef”, bastante mais flexível, onde já encontra pratos de carne como a vitela de leite maturada 45 dias com carvão vegetal e tupinambo ou o lagostim com couve-flor, ervas halófitas, caviar e champanhe. Se quando aqui vier optar por esta ementa saiba que ela pode ter 8, 4 ou 3 pratos e até incluir uma selecção de queijos (ritual que começa a voltar à ribalta). Os preços oscilam entre os 75€ e os 140€, sempre sem vinhos.
The Yeatman, Vila Nova de Gaia

Comida de tacho, pratos pesados e muito pouco amigos das dietas: este é o cerne da riquíssima comida feita na região norte do país. Em contraponto a tudo isto, porém, é precisamente nesta zona que moram (ou moraram) alguns dos mais conceituados chefs de alta cozinha. Ricardo Costa, do The Yeatman — restaurante do hotel vínico com o mesmo nome — está nos lugares cimeiros dessa lista e agora, com um ano de “duas estrelas Michelin” debaixo do cinto, apresenta uma série de novos pratos.
Viagens pela Ásia e pelo Portugal mais tradicional servem de mote para os novas criações deste que é um dos chefs portugueses que mais evoluiu nos últimos tempos. “Continuamos a fazer a nossa comida e a pensar da mesma forma mas existe sempre alguma pressão extra trazida pelas duas estrelas, claro”, explica Ricardo Costa antes do almoço em que deu a conhecer algumas das iguarias que a partir de agora já pode lá encontrar.
Com a zona ribeirinha do Porto como pano de fundo, os onze pratos que compõem o menu mais completo (custa 160€ sem vinhos mas há uma opção mais curta, com seis momentos, que custa 130€) começam a desfilar. As influências asiáticas são logo gritantes como momento de abertura, um chá de alga Kombu que pretende “limpar o estômago e preparar o corpo para a refeição”, explicou à mesa o chef. A este momento segue-se um mais substancial com o cannelloni de carne wagyu recheado com carangueijo real e a “falsa vieira” que na verdade é um nabo servido com matcha (chá verde japonês) e yuzo (espécie de citrino). Segue-se um o clássico instantâneo, o “frango de churrasco”, uma deliciosa combinação de arepa de milho com ostra de frango (uma parte específica da carne desta ave) acompanhada com uma mistura de tomate, mozzarela e água de tomate gelada.
No capítulo dos pratos principais merece destaque o as “tripas à moda de Gaia”, prato inspirado no clássico portuense que é cozinhado com lavagante e vai ao forno numa espécie de plástico chamado karta fata, e a especial combinação de leitão com pepino, sake e alho negro. No final? Espere receber na sua mesa a refrescante combinação de mirtilos com mascarpone, lima kaffir e baunilha ou a de ananás com coco e chá verde — é servido num coco verdadeiro.