O modelo de parentalidade nórdica está a ser amplamente divulgado, partilhado e comentado neste jornal, a propósito de um livroe de uma entrevista com a autora. Tudo aquilo que ficou dito nas linhas e entrelinhas se aplica universalmente, apesar de haver sempre quem goste mais de se concentrar no fosso que existe entre as sociedades mediterrânicas e as nórdicas.

Faz sentido em todo o mundo que homens e mulheres possam conciliar a sua vida profissional e pessoal, assim como faz sentido que os pais possam sair mais cedo do trabalho para ir buscar os filhos à escola, porque isso reforça os laços familiares e favorece o desenvolvimento global das crianças e jovens. Acima de tudo faz sentido que não sejam rotulados nem prejudicados na sua carreira por isso mesmo, mas só é possível uma verdadeira conciliação se houver uma maior eficácia laboral e os processos de trabalho forem afinados. Ou seja, se forem adoptados métodos ‘lean’ no escritório ou postos de trabalho.

A metáfora porventura mais usada para ilustrar o ‘lean thinking’ é a troca de pneus em plena corrida de Fórmula 1, em que todos os micro segundos contam. Quanto mais ‘lean’ for o método de desaparafusar e voltar a aparafusar jantes, mais imediata é a troca de pneus, mais rápido é o retorno à pista e mais fácil é acelerar até à meta. Quando há milhões envolvidos, não há tempo a perder e tudo se consegue fazer em tempo record, num ritmo alucinante. O desperdício de tempo e recursos habitualmente acontece em contextos profissionais onde as pessoas se sentem muito distantes de quem lhes paga ou detém o capital.

Como se costuma dizer, quando gastamos o dinheiro dos outros tudo nos parece muito mais barato e não nos custa desperdiçar ou deitar fora. Talvez por isso, tantas pessoas em tantas empresas usem mal o seu tempo quando estão on duty. Não sei se é muito português, como também se diz, chegar de manhã ao trabalho, pousar a pasta ou o saco, e ir tomar um café. O primeiro de muitos, ao longo do dia, aliás. Sei que acontece muito por cá e que realmente atrasa ou adia certas rotinas profissionais. E quem diz um café, diz fumar um cigarro, ligar para casa e para os amigos, ou contactar (e contratar)serviços de interesse pessoal que nada têm a ver com a função que desempenham.

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O que salta à vista nos artigos e entrevista sobre a realidade de conciliação familiar e profissional na Dinamarca, é que nem as mulheres nem os homens fazem mau uso das 7h horas (ou um pouco mais) que passam por dia no trabalho. Seguramente fãs da lendária máxima first things, first!, os profissionais dinamarqueses que conseguem sair do emprego a tempo de ir buscar os filhos à escola, focam-se no trabalho e cumprem escrupulosamente o que lhes é exigido, sem empurrar tarefas com a barriga (isto sim, tão nosso, tão português).

Kay Xander Mellish, a oradora americana da conferência “Natalidade: como fazer crescer Portugal?”, vive há 18 anos na Dinamarca e diz que trocou os Estados Unidos por aquele país para poder ter oportunidade de passar mais tempo com os filhos. Kay afirma que nenhum homem ou mulher é olhado de lado na Dinamarca quando sai do trabalho às 3h da tarde para apanhar os filhos no colégio ou levá-los a uma consulta. Mais, pais e mães têm direito a tirar um dia de trabalho sem qualquer agravante financeira sempre que um filho está doente.

A realidade de que fala Kay, mas também Sofie Münster, escritora dinamarquesa, faz-nos acreditar no poder da disciplina e do auto-controlo. O autocontrolo é mais importante para uma vida bem-sucedida do que a inteligência.” garante Sofie Münster. Acredito. Todos sabemos por experiência própria que esta é quase uma verdade de La Palisse, pois é muito fácil conferir a teoria com a prática.

Se assim é, então porque é que nos reduzimos à expressão mínima sempre que argumentamos que entre nós, mediterrânicos, e eles, nórdicos, só existe distância? Há mais proximidade e semelhanças entre os pais nórdicos e os pais mediterrânicos do que pode parecer à primeira vista. Desde logo nenhuns amam mais os seus filhos que os outros. Esta é uma verdade incontornável, mas não é a única. Os profissionais portugueses são conhecidos no mundo pela sua facilidade de adaptação, pela flexibilidade, pela criatividade e … pela capacidade de trabalho.

Esta é a nossa marca no mundo, mas nem sempre é a marca que deixamos cá dentro, nas empresas e organizações onde somos capazes de atrasar o passo e deixar as coisas correr, obrigando-nos a marcar reuniões fora de horas e chegando a casa a desoras. Se lá fora facilmente nos ‘dinamarquizamos’, porque não tentar o mesmo cá dentro?

Sofie Münster fala do treino do auto-controlo para os filhos, mas refere que tem que começar pelos pais e faz todo o sentido. Como é que podemos ensinar uma coisa que nos é tão difícil aprender e aplicar no dia a dia? Como é que podemos exigir que estudem e tenham boas notas, que giram bem o seu tempo, se nós próprios demoramos eternidades a entrar verdadeiramente na rotina laboral de cada dia. Se em cada manhã e ao fim de cada tarde encontramos sempre motivos para prolongar as horas de permanência no escritório, como poderemos exigir que os nossos filhos ou os nossos alunos sejam mais ‘lean’?

Estes artigos sobre a parentalidade nórdica dão que pensar e obrigam-nos a parar para avaliar como usamos as horas de expediente, qual a nossa inclinação natural para adiar, para fazer amanhã aquilo que podia e devia ter ficado feito hoje. Vale a pena ler os artigos em referência e tentar perceber onde podemos exercer maior e melhor auto-controlo sobre nós e a nossa vida. Ficou dito que os dinamarqueses não marcam reuniões depois das 15h, e também esta regra fica a fazer eco pois não são os únicos. Todas as políticas ‘go home’ que muitas organizações praticam pelo mundo fora nos deviam inspirar. Há empresas onde dispara um alarme às 5 da tarde, para que os funcionários comecem a desligar os computadores e há mesmo quem desligue as luzes no quadro geral e faça aparecer nos ecrans dos computadores estas duas palavras-chave: go home!

Todos temos os nossos imperativos pessoais e profissionais, mas para quem tem filhos ou família e quer realmente calibrar a sua vida pessoal e profissional, os testemunhos em questão interpelam e fazem-nos pôr certas rotinas em perspectiva. Alguns de nós perdem tempo ao telefone com pessoas e temas que nada têm a ver com o trabalho; outros dedicam demasiada atenção às redes sociais, msgs e whatsapps; outros acumulam intervalos para cafés e pausas para cigarros; outros, ainda, desperdiçam-se em conversas de corredor, no local de trabalho, que nada têm a ver com o seu core business. Cada um sabe de si e da maneira como usa o tempo, mas a substância do testemunho destas duas especialistas está na ordem do dia.

A conciliação familiar é possível, eficaz e até muito rentável quando fazemos bom uso do tempo. Reduzir as horas de trabalho não quer dizer trabalhar menos, mas trabalhar melhor, em menos horas. Mudar os pneus em modo quicksonic afinal é possível e está acessível mesmo para quem não trabalha na F1. Queridos pais portugueses estamos a tempo de mudar e fazer como os queridos pais dinamarqueses!