É o primeiro deputado parlamentar brasileiro assumidamente gay, um forte crítico de Bolsonaro, ex-jornalista e ex-professor universitário e esta terça-feira foi atacado com ovos na Universidade de Coimbra. Jean Wyllys participava numa conferência na Faculdade de Economia quando dois homens se levantaram para lhe atirar ovos. Em resposta, o ativista brasileiro falou de um “ódio que não permite a diversidade”.
Dois homens tentam atirar ovos contra Jean Wyllys em Coimbra
Depois de ter recebido várias ameaças de morte, Jean Wyllys anunciou a 24 de janeiro que ia abandonar o Brasil — já com Bolsonaro no poder — e desistir do terceiro mandato que iria desempenha como deputado federal do Rio de Janeiro. Afinal, quem é o homem que diz que “é a memória de Marielle Franco” que vai derrubar Bolsonaro no Brasil?
“Será a memória de Marielle Franco” que vai derrubar Bolsonaro, afirmou Jean Wyllys
A difícil carreira política e os direitos LGBT
Chegou à política em 2011, mas já era um rosto bem conhecido dos brasileiros. Em 2005, Jean Wyllys venceu a quinta edição do reality show Big Brother Brasil, com 55% dos votos dos telespectadores. Mesmo dentro do programa, o ativista já tentava ser a voz da luta contra o preconceito contra a comunidade LGBT.
Depois do protagonismo naquele que é um dos reality shows mais populares do Brasil, Wyllys voltou a aparecer em público em 2010, quando foi eleito pela primeira vez deputado federal do Rio de Janeiro e começou a ser politicamente ativo. As ameaças começaram no ano seguinte. O facto de ter defendido a então presidente do Brasil, Dilma Rousseff, no seu processo de impeachment fez dele um alvo fácil do “ódio antipetista”, como conta numa entrevista que deu ao Público.
Wyllys explica que não fazia parte do Partido dos Trabalhadores (PT) — o de Dilma Rousseff e Lula da Silva — e que fazia oposição à esquerda, mas como “defendia um Governo democraticamente eleito”, foi “identificado publicamente pelas forças antipetistas como um ‘petista’”.
Já em 2013, o deputado terá sido acusado de ser o autor de frases de intolerância religiosa e de defesa da pedofilia. Um ano depois, já sendo uma figura envolta em grandes polémicas, Wyllys voltou a ser reeleito, tendo sido o sétimo deputado mais votado do Rio de Janeiro.
A luta pelo fim do preconceito contra os homossexuais tornou-se numa das suas principais bandeiras políticas, da qual conta ter sido vítima durante toda a vida. Ainda era criança quando ouviu pela primeira vez a palavra “veado” (que tem uma conotação pejorativa) .
“Da política, eu nunca vou sair”, diz em entrevista ao Público. Aos 12 anos, entrou no movimento pastoral da Igreja Católica, idade com que diz ter começado a sua luta política. Entende que os partidos de esquerda não devem ficar colados à luta de classes e que devem ter a capacidade de agregar pessoas que se mobilizam por outras causas, como são as questões LGBT ou o ambiente.
Abandonar o mandato e abandonar o país
Marielle Franco, política, socióloga e ativista brasileira, foi morta a 14 de março de 2018. Regressava de um evento em defesa das mulheres negras quando um carro parou a seu lado. Dele foram disparados nove tiros, quatro deles à cabeça. Foi o assassinato brutal de Marielle e consequentes investigações que mais pesaram na decisão de Jean Wyllys: deixar o Brasil.
Wyllys, que já antes disse ter ido numas longas férias sem retorno, chegou a ser considerado um exilado político por algumas publicações internacionais, tal como recorda a Exame. O francês Libération deixou em manchete o título “Ameaçado de morte, o único deputado brasileiro abertamente gay deixa a política e se exila“, enquanto o The New York Times destacou a frase em que Wyllys afirmava que precisava de se manter vivo.
As ameaças fizeram-no não só deixar o cargo de deputado do federal pelo PSOL do Rio de Janeiro, como deixar o país em que nasceu, já lá vão 44 anos (quase 45). O anúncio de que abdicaria do mandato — ele que fora eleito pela terceira vez consecutiva — foi feito numa entrevista exclusiva à Folha.
Wyllys, um dos fortes críticos de Bolsonaro
“A única marca que ele deixou é a marca da corrupção e do ódio.” É desta forma que Wyllys se refere a Jair Bolsonaro, a quem não poupa críticas. Em declarações ao Público, o ativista diz que o que deu a vitória a Bolsonaro foi a homofobia e que o atual presidente do Brasil “não apresentou um programa de Governo ao país”.
Wyllys associa Bolsonaro a “preconceitos” e ao “sentimento de medo que tomava o povo brasileiro”. Já à agência Lusa, o político brasileiro diz que acredita que quem vai derrubar Bolsonaro será Marielle Franco. “Será a memória dela e será a revelação de que há relações profundas entre quem hoje ocupa a presidência [do Brasil] e o assassinato dessa mulher”, resume.
Outro episódio que contribuiu para o aumento da polémica entre Jean Wyllys e Bolsonaro decorreu em 2016, quando o ativista cuspiu na cara do atual presidente brasileiro, depois de anunciar o seu voto contra no processo de impeachment de Dilma. A agressão foi vista por outros parlamentares e chegou a ser registada em vídeo e partilhada nas redes sociais.
Exatamente no dia em que o ativista anunciou que abandonaria o Brasil, Bolsonaro ter-se-á mostrado satisfeito com a decisão de um dos seus maiores críticos. Tal como se pode ver na publicação que fez no Twitter.
Grande dia! ????
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) January 24, 2019
À TSF, Wyllys refere também que Bolsonaro está a destruir o Brasil e que intoxicou o país com ódio, “mentira e incompetência”. Sobre o atual Governo brasileiro, aponta ainda aquilo que diz ser o “envolvimento de membros da família com milícias, as organizações criminosas que controlam territórios no Rio de Janeiro”.
O coro de críticas também chega em sentido contrário. À G1, a assessoria de Wyllys afirmou existir uma campanha “muito pesada” contra o deputado, alertando para as notícias falsas que diz estarem a ser partilhada na Internet. O ativista estará até associado a casos de pedofilia, casamento de adultos com crianças e mudança de sexo em casos infantis.
Na sequência do anúncio em que Wyllys dava conta de que ia abandonar o Brasil, o presidente do PSOL afirmava à TV Globo que a situação no país é “muito grave”. Juliano Medeiros dizia mesmo que Wyllys “era e ainda é “uma das figuras do “processo de resistência democrática” brasileiro, e que a decisão anunciada era “de caráter pessoal”.
Quando deixou o Brasil, disse que se ia dedicar à carreira académica e que não tinha decidido o seu destino. Fixou-se na Alemanha, onde vive atualmente, em Berlim e esta terça-feira participou numa conferência na Universidade de Coimbra sobre discursos de ódio e notícias falsas na extrema direita. Além de político, defensor das causas LGBT, e ativista, Wyllys foi jornalista, colunista, apresentador de televisão e professor universitário.
Nasceu em 1974 no seio de uma família pobre, em Alagoínhas, no estado da Bahia. Jean Wyllys estará esta quarta-feira na Assembleia da República, a convite do Bloco de Esquerda. Mesmo durante a sua estadia em Portugal, o ativista está sempre acompanhado de proteção policial.