Oliver, Benji, são os magos da bola.
Oliver, Benji, vão fazer escola.
Benji, Oliver, sonham ser os campeões.
O futebol japonês está, mais do que qualquer outro, envolto numa onda de curiosidade e nostalgia. Em qualquer parte do mundo, os fãs de futebol com menos de 30 anos associam a seleção japonesa aos desenhos animados “Oliver e Benji”, sobre dois rapazes japoneses que sonhavam – e conseguiram – fazer carreira no futebol internacional. Primeiro Nakata, depois Honda (que ainda joga) e agora Kagawa carregam nas costas a pressão inevitável de serem Oliver Tsubasa na vida real. Mas esta segunda-feira, frente à Bélgica, o Japão teve onze Tsubasas. Porque até ele perdia em alguns episódios.
O jogo foi um dos melhores – talvez o melhor – deste Campeonato do Mundo. Desde os primeiros minutos da partida ficou latente que o Japão não ia, não queria, nem podia recear o poderoso ataque belga. Nunca fecharam o jogo, nunca puseram, como se diz na gíria, “o autocarro à frente da baliza” e nunca, em qualquer momento, viraram a cara à luta. Ainda que tenham passado aos oitavos de final devido ao penúltimo critério de desempate, o fair play, os japoneses aceitaram o papel que lhes foi entregue e tentaram roubar os quartos à Bélgica.
Os belgas, agora reais favoritos à vitória no Mundial depois da queda dos gigantes, confirmaram aquela que tem sido apontada como a sua principal fraqueza: a defesa. Apresentaram-se frente ao Japão com três defesas, num falso 3-4-2-1 que, na verdade, podia ser simplificado num 3-1-5-1. Nas transições ofensivas, Meunier sobe pela ala direita, Ferreira-Carrasco pela esquerda, De Bruyne ocupa o terreno central e Hazard e Mertens exploram os corredores interiores para servir Lukaku. Dos homens do meio-campo, apenas Witsel fica em espaços mais recuados em auxílio a Alderweireld, Kompany e Vertonghen. Em caso de contra ataque rápido da equipa adversária, o mais provável é que seis jogadores belgas estejam demasiado avançados no relvado para conseguir recuar, sobrando Witsel na ajuda à defesa. Nas laterais, somente Meunier desce para defender: o que explica o primeiro golo do Japão, após perda de bola de Hazard, numa transição ofensiva pelo lado esquerdo da defensiva belga, desprotegido, sem a dobra de Ferreira-Carrasco.

Lukaku, sem ter marcado, foi importantíssimo para a vitória belga.
O segundo golo japonês apareceu de um grande remate de Inui – médio que já tinha feito a assistência para o golo de Haraguchi – e Courtois pouco podia fazer. Aos 52 minutos, a Bélgica estava fora do Mundial da Rússia e o Japão ia jogar com o Brasil nos quartos de final. Mais uma vez, os japoneses não baixaram o nível de jogo. Controlaram a partida, descansaram com bola, tentaram conter uma vaga de investidas belgas que corria trás do prejuízo. Roberto Martínez, aconselhado pelo outrora campeão do mundo Thierry Henry, colocou em campo Fellaini e Chadli – provavelmente sem saber que estava a pôr dentro das quatro linhas os homens que iam salvar a Bélgica.
Vertonghen reduziu o resultado num cabeceamento sem tirar os pés do chão e Fellaini fez o que melhor sabe fazer: incomodou os centrais japoneses e cabeceou certeiro depois de um cruzamento de Hazard. Sem comprometer, sem jogar mal, sem cometer grandes erros, o Japão tinha perdido a vantagem – faltou experiência, cabeça fria e cinismo aos samurais. O árbitro deu quatro minutos de tempo de compensação e a bola estava no meio-campo belga. Witsel quase marcou um autogolo, Honda disparou de livre direto para defesa de Courtois e é canto. Bola batida na esquerda, o guarda-redes do Chelsea agarra. Contra ataque rápido. De Bruyne conduz. E depois acontece o motivo pelo qual Roberto Martínez ainda devia telefonar esta noite a José Mourinho a agradecer.
Romelu Lukaku, possante avançado belga e do Manchester United, desempenhou uma ação sem bola que arrastou dois defesas japoneses e deixou Chadli completamente sozinho. Há dois anos, há quatro, seria impossível. Com Mourinho, em Old Trafford, Lukaku aprendeu a jogar sem bola, a esperar, a não ter uma equipa inteira a jogar para ele mas sim a jogar para a equipa. Chadli marcou no último lance da partida e a Bélgica está nos quartos de final.
Foi cínico, foi frio, foi um golpe de teatro. O Japão jogou bem e jogou bem melhor do que muitas equipas ditas grandes. Esta segunda-feira, em Rostov, estiveram onze Tsubasas em campo.