A Junta de Freguesia de Olivais (PS) assinou, em abril de 2015, um contrato de mais de 67 mil euros com a Instantes Estratégicos Unipessoal, Lda. A empresa é detida por Ricardo Jorge Lima (ou apenas Ricardo Lima), que à data era vereador do PS na Câmara Municipal de Loures, e que foi criada um mês antes de o contrato ser assinado. Objetivo: assegurar a “gestão de controlo integrado de todos os projetos” da autarquia.
O contrato por ajuste direto não especifica que “projetos” foram passados para a gestão da empresa de Ricardo Lima, mas fixa uma data para a conclusão dessa prestação de serviços: “Final do ano 2015”. O que significa que os 67 mil euros pagos pela Junta de Freguesia de Olivais à Instantes Estratégicos, se deveram a serviços prestados durante os oito meses seguintes.

O que representa um custo médio de 8.375 mil euros por mês, mas ao Observador, Ricardo Lima sugere que esta opção resultou, até, numa “redução de custos” para a autarquia, “por se tratar de contratos facilmente resolúveis após a execução dos respetivos trabalhos”.
Rute Lima de Jesus é a presidente da Junta de Freguesia de Olivais e já estava em funções quando o contrato foi assinado entre a autarquia e a empresa de um colega de partido. No documento, a Junta justifica o recurso à Instantes Estratégicos com uma “ausência de recursos próprios”. O Observador tentou perceber que “projetos” tinham sido confiados à empresa, mas não obteve qualquer resposta.
Essa explicação surgiu do próprio militante do PS, ex-vereador da Câmara Municipal de Loures e atual presidente da Junta de Freguesia de Moscavide e Portela. Olhando para o rol de “serviços” prestados pela empresa do socialista, difícil é encontrar uma área de gestão daquela autarquia que não tivesse sido abrangida pelo contrato.
Ricardo Lima refere que a sua empresa “tinha por objeto a gestão integrada de todos os projetos que resultassem da implementação da reforma administrativa”, e apresenta uma extensa lista de áreas de intervenção: entre ações de “promoção da freguesia, projetos de ação social, projetos no âmbito do envelhecimento ativo e saudável, reorganização administrativa dos serviços, comunicação, gestão e promoção de eventos, mobilidade, apoio à realização de relatórios de atividades por parte dos serviços, prospeção de novos projetos e ações com capacidade de valorização da freguesia, entre muitas outras atividades prestadas de forma sucessiva no quadro do contrato assinado”.
Vereador sem pelouros procura contrato para a sua empresa
O autarca de Moscavide recusa a ideia de que tenha de alguma forma sido beneficiado pelo facto de partilhar a militância num partido com as mesmas cores da presidente da Junta de Freguesia de Olivais.
Admite que já conhecia Rute Lima de Jesus da militância partidária antes de ser contratado (“não tão bem” como passaria a conhecer depois, refere) e considera que o facto de não ter pelouros atribuídos na Câmara Municipal de Loures (governada pelo PCP desde 2013) o deixou liberto para desenvolver negócios como os que ligaram a Instantes Estratégicos à autarquia de Rute Lima de Jesus, na freguesia dos Olivais.
“À semelhança de qualquer cidadão que desempenha cargos não executivos e não remunerados em entidades públicas, considero que detinha no momento todas as possibilidades para exercer as minhas atividades profissionais e empresariais, não existindo qualquer conflito de interesses” com a junta em causa, diz o socialista.
Ricardo Lima acrescenta que “a entidade com a qual se celebrou um contrato não era do município para o qual fora eleito, nem o objeto de contrato era incompatível com o desempenho de quaisquer funções públicas”. O autarca considera que “a militância em qualquer partido ou organização política, desportiva ou religiosa não deve diminuir os cidadãos nos seus direitos a exercer atividades profissionais”, desde que “sejam escrupulosamente respeitados os deveres legais, tributários e de responsabilidades associadas”, como garante ser o caso.
Três anos, um contrato com entidades públicas
No portal base, uma pesquisa com os dados da Instantes Estratégicos devolve uma única referência: precisamente o contrato estabelecido entre a empresa de Ricardo Lima e a Junta de Freguesia dos Olivais. Desde 2015, não há mais nenhum momento em que os serviços da empresa se tenham ajustado às necessidades de uma autarquia local, ainda que o empresário apresente a sua “experiência” como uma razão fundamental para ter sido chamado a assegurar aquela tarefa em Lisboa.
A Instantes Estratégicos Unipessoal, Lda. foi constituída a dois de março de 2015. Nos dados referentes à sua constituição consta uma morada do Prior Velho — que é também a sua morada pessoal. Um mês e 21 dias depois de ser criada, a empresa conseguia a atribuição de um contrato de 67,4 mil euros para os oito meses seguintes.

Até esse momento, Ricardo Lima tinha sido eleito vereador em Loures, em 2009, com os pelouros do Ambiente, Transportes e Serviços médico-veterinários. Nas eleições de 2013, o PS perdeu a câmara para o PCP e Ricardo Jorge Lima perdeu as suas funções executivas, ficando sem quaisquer pelouros atribuídos. Até que, em 2017, venceu a Junta de Freguesia de Moscavide e Portela. Pelo meio, cria a empresa e consegue de imediato o contrato com a Junta de Olivais.
“Tendo um percurso profissional ligado às autarquias locais e a experiência necessária para desenvolver projetos a vários níveis, é natural que [essas autarquias] procurem estas competências que, aliás, resultam em redução de custos por se tratarem de contratos facilmente resolúveis após a execução dos respetivos trabalhos”, defende o autarca socialista.
Não houve mais contratos com entidades públicas mas, garante Ricardo Jorge Lima, foi havendo setor privado para garantir a continuidade da empresa. “Felizmente, a Instantes Estratégicos realizou outros trabalhos, na esmagadora maioria com entidades privadas”, diz, acrescentando que a empresa “continua em funcionamento e no mercado”.
As famílias políticas de Loures e Moscavide
Ricardo Jorge Lima foi eleito, em outubro de 2017, com 31,91% dos votos e 3.306 votos que lhe permitiram “roubar” a junta ao PSD (que governava com o MPT e o PPM mas que, no ano passado, concorreu apenas com os monárquicos). Não foi uma estreia para a família no poder local — aliás, o pai de Ricardo, Daniel Lima, governou a junta até 2013. Mas os cruzamentos dos “Lima” com a gestão local não ficam por aqui.
O apelido surge frequentemente associado a um outro, que ficou na memória em Loures: o do socialista Carlos Teixeira. Em 2011, o semanário Expresso publicou um artigo sobre a forma como o autarca geria aquela câmara municipal quando, no seu terceiro mandato, já tinha empregado a mulher, a filha, dois cunhados e a nora em gabinetes da quinta maior autarquia do país.
Onde está a ligação entre as duas famílias? Na mulher de Daniel Lima, Fernanda Lima, e na mulher de Ricardo Jorge Lima, Andreia Nascimento.
O aviso n.º 9694/2013 da Câmara Municipal de Loures anunciava a “consolidação da mobilidade interna na categoria” da “assistente operacional” Fernanda Lima. Depois de longos anos na Câmara de Loures (parte dos quais como secretária do ex-presidente Carlos Teixeira, em comissão de serviço), a funcionária decidiu trocar a autarquia pela Junta de Freguesia de Moscavide. Por outras palavras, em cima das autárquicas de 2013 Fernanda Lima pediu para ser transferida para Moscavide, a junta de que o marido tinha sido presidente e a que, mais tarde, o filho viria a presidir.
No caso de Andreia Nascimento — mulher do atual presidente de Junta de Freguesia de Moscavide e Portela —, a sua contratação para uma entidade ligada à Junta de Moscavide aconteceu no tempo em que o sogro era o presidente. Andreia integrou a equipa de um infantário local. O que significa que o ex-presidente Daniel Lima, a mulher, Fernanda Lima, o atual presidente e filho do anterior autarca, Ricardo Jorge Lima, e a mulher deste, Andreia, têm ligações cruzadas à junta de Moscavide. Mas a Câmara Municipal de Loures também entra nesta teia. Daniel foi funcionário, Ricardo foi vereador (com e sem pelouros) e Fernanda também foi funcionária.
Como os caciques do PSD estão a ser investigados na Operação Tutti Frutti
Há duas semanas, a Polícia Judiciária entrou em dezenas de edifícios do PS e do PSD, numa operação batizada de Tutti Frutti, que se focou na investigação aos negócios que ligam órgãos de poder local a partidos políticos, sobretudo PS e PSD. A Unidade Nacional Contra a Corrupção também esteve nos serviços centrais da Câmara Municipal de Lisboa, em várias juntas de freguesia da capital e de outras cidades do país.
A investigação pretende chegar a casos em que a ligação a um dos dois principais partidos de poder em Portugal foi o principal — ou o único — fator a determinar a atribuição de contratos nas autarquias locais, estando em causa um benefício em função da cor partidária. Adjudicações diretas, compadrios e ligações familiares foram alertas nas investigações da PJ, situações que, em muitos casos, o Observador já tinha noticiado há um ano. A relação de Ricardo Jorge Silva com a Junta de Olivais não está, no entanto, envolvida nessas investigações judiciais.