Por estas alturas, há cerca de um ano, falávamos com John Oliver e o tom era de esperança, sobretudo a esperança de voltar para estúdio. Um ano depois, parece que nos fala a partir da mesma sala, mas muita coisa mudou. Durante a temporada passada – a oitava – o contexto pandémico permitiu mudar a acção do seu programa de um apartamento em Nova Iorque para o estúdio. Depois de mais de um ano a fazer o programa sobre um fundo branco, o regresso ao estúdio foi glorioso, mas anticlimático. Não foi a euforia que se esperava, mas uma aceitação de que finalmente se poderia – tentar – voltar ao normal. E o normal é o que torna “Last Week Tonight with John Oliver” tão especial. O programa regressou há poucos dias à HBO Portugal — em breve a plataforma mudará para HBO Max.
Eis o normal: John Oliver e a sua equipa usam o dinheiro da HBO fazer reportagens sobre temas pertinentes, seja corrupção omnipresente, o mau funcionamento da instituições ou más interpretações devido à prevalência de notícias falsas. Por vezes, esticam os cordões à bolsa para doar dinheiro a instituições caso o alvo (ou alvos) da reportagem decida fazer algo de bem; ou, então, puxam pela audiência para pressionar certos indivíduos ou instituições. Não é bullying, mas um chamamento do indivíduo à ação.
Eis o normal explicado por John Oliver: “O desafio foi não estar no estúdio. Foi ótimo voltarmos, antes estávamos a fazer o programa num apartamento em Nova Iorque, o que não é ideal. Foi inacreditável termos feito isso durante um ano. Voltar ao estúdio permitiu-nos voltar fazer coisas numa escala maior, seja ter ursos de peluche a cair do teto ou podermos filmar exteriores de novo. Foi como voltar a brincar com os brinquedos que nos foram interditos durante uns tempos. Estamos muito contente por voltarmos a poder fazer coisas estúpidas num estudo, coisas que não podemos fazer num apartamento, com vizinhos em baixo e em cima. E eu adoro ter essa possibilidade de fazer coisas muito estúpidas.”
[o trailer da nova temporada de “Last Week Tonight with John Oliver”:]
https://www.youtube.com/watch?v=lM51bR6Rypc
À nona temporada, “Last Week Tonight with John Oliver” já acumulou muitos prémios (já soma, por exemplo, 23 Emmys). O programa nunca perdeu a dinâmica que está na sua génese, John Oliver nunca se acanhou em falar de certos assuntos. Vem da escola do “The Daily Show with Jon Stewart”, onde aprendeu muito com ele e com uma dream team da comédia. Não é errado pensar que, com o passar do tempo, a saída de Jon Stewart do programa e o fim de “The Colbert Report”, John Oliver tenha conquistado esse lugar de trabalhar as notícias com humor. E tal como “Daily Show” e, posteriormente, “The Colbert Report”, encontraram o tom certo para a América pós-11 de Setembro e, depois, a América dos dois mandatos de Obama, Oliver encontrou o caminho para informar numa época de desinformação e de extremas mudanças em vários países.
Talvez por isso, nestas sessões de entrevistas a John Oliver, alguns – aliás, muitos – dos participantes perguntem, primeiro, se o próprio está a par da situação no seu país e, segundo, se vai falar deles nesta temporada. Pode ser o Brasil: “Não consigo imaginar um mundo em que não cobrimos as eleições brasileiras. Sinto muito por aquilo que vocês vão passar”. Pode ser as eleições francesas: “Quando tens pessoas a perguntar se iremos falar das suas eleições, é porque algo de bom não se está a passar. É como se as pessoas nos pedissem para partilhar a sua dor, aquilo pelo qual irão passar.”
“Last Week Tonight with John Oliver” é um programa sensível ao mundo. Os Estados Unidos são o seu prato principal e a maior parte das reportagens são sobre o que se passa lá, mas com regularidade Oliver e a sua equipa desviam a atenção para outro local do globo. É uma forma de dizer que muitos países estão na mesma situação, de como a época que vivemos é uma de transformação e, por vezes, ela acontece por via da desinformação e de uma insatisfação criada (no primeiro episódio desta nona temporada, a reportagem sobre a “Critical Race Theory” nas escolas norte-americanas é sobre isso mesmo). As reportagens por vezes podem ser sobre assuntos que não nos interessam à partida, mas mesmo cá em Portugal acabamos por sentir efeitos de muito daquilo que John Oliver fala nas entrelinhas. É também por isso que continua a ser um dos programas de humor televisivos mais relevantes da atualidade.
Já no final da conversa, uma pergunta provocatória: se ao longo dos anos, ao ficar cada vez mais famoso, se pensa nas crescentes reações que existem de instituições e de autoridades governamentais – sobretudo locais – às suas peças de humor: “Passamos semanas a trabalhar nas nossas histórias principais, trabalhamos em seis em simultâneo e tentamos que sejam à prova de bala. Não consigo imaginar fazer isto de outra forma. Por isso, não podemos passar muito tempo à procura de reações: quando acabamos uma história, já estamos a pensar na próxima. Estamos sempre a pensar em como uma história pode ser criticada e absorver essa crítica na peça, enquadrando-a na história, no argumento. Ao fazê-lo, damos a coisa como terminada. Raramente voltamos atrás, a não ser que seja para fazer algo ainda mais divertido. Quando terminamos um argumento, terminamo-lo. É o fim.”
Por muito que os episódios feitos em casa representado um belíssimo manifesto de sobrevivência, exaustão e de criação sobre como aguentar um programa deste género fora de estúdio, no – ainda – atual contexto pandémico, o regresso ao estúdio, no caso de “Last Week Tonight with John Oliver”, tem um sabor especial. Com isso não regressa só um programa visualmente mais completo, mas uma força criativa capaz de surpreender o público com as suas ações numa questão de segundos. É o seu habitat natural e, felizmente, nesta nona temporada já foi possível arrancar em pleno.