Ana Cristina Marques, enviada especial ao Reino Unido
Isabel II, os príncipes Harry e William e a duquesa de Cambridge surgem, de repente, diante de nós. O quarteto real dispersa o olhar em diferentes direções, mas Kate mira-nos sem pestanejar. As figuras da monarquia britânica, impressas em cartão e em tamanho real, estão em destaque na sala de Margaret Tyler, a britânica de 73 anos que ficou famosa por ter uma das maiores coleções de “memorabilia” da realeza no Reino Unido (e quem sabe no mundo). Canecas e pratos de todos os tamanhos e feitios, quadros, revistas, cassetes, bonecas de porcelana e fotografias emolduradas pela própria invadem a casa daquela que já foi considerada a “fã número 1 da princesa Diana”. O espaço para circular é reduzido. Sentar num dos dois sofás, para a entrevistar, é uma aventura.
Mais de 10.000 peças avaliadas em 40 mil libras (cerca de 44 mil euros) compõem a coleção de Margaret, que a começou há 40 anos. A casa da ex-telefonista é um museu e, ao mesmo tempo, um santuário à família real britânica. Por estes dias, a coleção leva hordas de jornalistas ao muito calmo e residencial subúrbio de South Kenton, em Wembley. Margaret está a dar três a quatro entrevistas por dia. Só na passada terça-feira recebeu quatro equipas de filmagens de diferentes países — Austrália e Canadá incluídos. É assim com o casamento de Harry com Meghan Markle, que acontece já este sábado, e foi assim com o de William e Kate, em abril de 2011. A avó de quatro só tem pena que tudo desapareça mal os jornais de domingo estejam vendidos e as televisões esgotem o assunto. “Gosto de companhia”, diz-nos.

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As dezenas de fotografias que estão sobre a mesa da sala não deixam perceber a sua superfície. A Union Jack, a bandeira do Reino Unido, cobre o teto e serve ainda de inspiração para as cortinas e para o outfit com que Margaret nos recebe e que vai voltar a usar este sábado. Os quadros sobrepõem-se uns aos outros e as loiças parecem não ter fim — há, inclusive, uma prateleira dedicada por inteiro às canecas alusivas à coroação da rainha. É difícil focar o olhar. A casa é uma exposição permanente e quase não parece habitável — lá ao fundo, encostada a um canto, está a cozinha minúscula. Onde Margaret toma o pequeno-almoço, almoça e janta é um mistério, ainda que tenha lanchado um pão com manteiga sentada no sofá, durante a entrevista. Mas não é só na sala que existe merchandising temático: contam-se ainda a divisão dedicada aos jubileus de prata, ouro e diamante da rainha e uma outra, no fundo da casa, só para a falecida princesa Diana. “É a favorita de todos os que me visitam.”
Margaret Tyler viveu no campo até aos 19 anos com os pais, rodeada de “vacas, ovelhas e descampados”. Nunca gostou dessa vida, só queria vir para Londres. Fê-lo pouco depois, encontrou marido, assentou e foi mãe pela primeira vez aos 21 anos — ao todo, tem quatro filhos. Mudar-se para Londres pode ter sido a decisão de uma vida, mas foi dos pais que herdou a devoção pela realeza. Ainda hoje se lembra da música que o pai ora cantava, ora trauteava, e que garantia ser a preferida de George VI (pai da rainha Isabel). “Como sou filha única, sempre quis fazer parte de uma família grande. É isso que gosto neles. Eles são uma família. Não é como o primeiro-ministro que fica quatro anos no poder e, depois, vem outra pessoa completamente diferente. Há uma linhagem. Sabemos que, um dia, o William vai ser rei”, argumenta enquanto bebe um gole de chá preto — Earl Grey — numa caneca real.
De tanto ler e colecionar, Margaret — “Royal Margaret” para os amigos — sente-se parte da realeza. Afinal, rainha, príncipes e duquesa estão por toda a parte e é ela quem lhes limpa o pó. Uma tarefa árdua, demorada, e que a britânica se recusa a dividir seja com quem for. “Tenho sempre de limpar a casa, sobretudo no verão, porque entra muito sol na sala durante o dia. Limpo sozinha, tenho receio que as pessoas partam alguma coisa. É melhor ser eu a fazê-lo. Gosto de cuidar da minha coleção.” Perguntamos se, nas limpezas, já deixou cair alguma coisa. “Nunca parti nada”, responde, e inclina-se sobre a mesa da sala — que afinal é de madeira — e bate três vezes.
Os filhos, que cresceram com o hábito de colecionador da mãe, nunca a questionaram, nem tão pouco entraram na primeira divisão a ter “memorabilia”, já lá vão quatro décadas.”Eles nunca entraram naquele primeiro quarto. Sabiam que não o deviam fazer e nunca tentaram. Acho que não estavam assim tão interessados. Agora, são eles que compram coisas para mim, nos aniversários e pelo Natal. Nessas alturas, têm sempre em conta as coisas mais recentes que comprei.”
Além das compras que faz às segundas-feiras no bairro londrino de Covent Garden, Margaret vai recebendo coisas que lhe deixam à porta de casa. Fica com tudo. Diz que não é nenhuma “comerciante”, mas sim uma “colecionadora com jeito para limpar o pó”. Também não vende nada, mesmo que a coleção ascenda a uns bons milhares de euros.

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Quando a princesa Diana entrou em cena
Em tempos foi considerada a “fã número um de Diana”, um título que rejeita com alguma modéstia. Da boca de Margaret saem vários elogios num sotaque “very british” assim que a conversa chega à princesa do povo: “Ela era a minha favorita. Ela era tão popular. Toda a gente a adorava”. A britânica, que conheceu Diana seis semanas antes da morte da princesa, lembra-se com precisão da madrugada de domingo em que foi acordada com um telefonema do filho, a viver nos Estados Unidos. “A mãe está bem?”, perguntou Andrew. Margaret, que acha que as más notícias chegam em horas impróprias, respondeu prontamente “sim”. Andrew insistiu: “Tem a televisão ligada?”.
Ligou a televisão. Ficou chocada. Sentou-se nas escadas e ali ficou durante uma hora sem se conseguir mexer. “As minhas pernas transformaram-se em gelatina. Quando o Andrew voltou a ligar, eu ainda estava nas escadas. Lembro-me de pensar que tinha de ir comprar jornais para acreditar. Foi terrível. Sei que tinha tirado folga no dia seguinte para fazer alguma coisa. Até hoje não me lembro do que era.”
É precisamente no quarto dedicado a Diana — uma divisão que até vitrais temáticos tem, além da pintura da princesa no teto, que nos obriga a levantar a cabeça — que se encontra o item preferido de Margaret. Um quadro de grande proporções, onde Diana surge com os dois filhos — William, três anos mais velho, entrelaça as mãos no pescoço da mãe, enquanto Harry, que se casa este sábado, deixa-se ficar ao colo de Diana. “Acho que o Harry é mais parecido com ela na maneira de ser, enquanto o William apenas se parece mais com ela”, atira para o ar. E será que Diana gostaria da noiva do filho mais novo? “Sim. Eles [Harry e Meghan] têm interesses em comum. Querem ajudar as pessoas e a Diana fazia isso o tempo todo, não fazia? Pena que elas [Kate Middleton e Meghan Markle] nunca a tenham conhecido”.
Margaret fala sempre como se conhecesse os membros da família real, como se conhecesse as suas dores e alegrias. Como se fosse uma melhor amiga com acesso exclusivo ao universo da realeza. E até consegue citá-los.
A rainha — que já tem 92 anos — também é tópico de fascínio para esta britânica. Margaret orgulha-se de contar que já esteve com ela quatro vezes, incluindo aquela vez em que lhe deu um bolo de aniversário em forma de coroa pelos seus 80 anos. Lembra-se de Isabel II perguntar quem tinha feito o bolo. Ela não mentiu. O bolo fora confecionado por uma conhecida e deveria ter sido comido numa das “tea parties” que Margaret chegou a organizar em casa — agora já não tem espaço. “Quando a rainha fizer 100 anos, quero voltar a dar-lhe um bolo.”
Margaret raramente sai de casa e, quando o faz, não consegue deixar as coisas abandonadas por mais do que um dia. “Sinto falta das minhas coisas. Não sou muito aventureira. O Andrew mora há anos nos EUA e eu nunca lá fui porque não gosto de andar de avião. Não bebo, não fumo. Não vou de férias porque fico aborrecida, não gosto do mar e tão pouco do sol. Não tenho carro, não tenho computador nem telemóvel. Todo o dinheiro que tenho vai para a família real britânica”, justifica, apontando na direção dos milhares de pratos, canecas, quadros, fotografias, revistas, cartazes em tamanho real, cassetes e vitrais. “O livro do Guiness quer que eu entre nele e fotografe cada uma das peças, mas isso demoraria anos. Não é fácil e, de qualquer forma, não sou muito boa a fotografar.”