Quando Sandra Oh decidiu abandonar o conforto de “Anatomia de Grey”, onde esteve nove anos, parecia difícil imaginá-la sem ser Cristina Yang, a cirurgiã sarcástica mais robot do que humana. Seguiram-se papéis mais ou menos mediáticos em televisão e em 2018 apareceu “Killing Eve”, onde as vidas de uma assassina e da agente que quer apanhá-la se misturam demasiado. Pronto, afinal era este o trabalho da vida de Oh — a personagem Eve Polastri deu-lhe um Globo de Ouro em 2019, prémio que também tinha conquistado em 2006 graças a “Anatomia de Grey”. Ou será que não era?
Há uma nova série protagonizada pela atriz de 50 anos e é tudo o que ainda não tínhamos visto dela e nem sabíamos que precisávamos. “A Diretora” está disponível na Netflix e divide-se em seis episódios com cerca de meia hora cada. Bem podiam ter mais. A temporada vê-se tão depressa que, se tivesse o dobro do tempo, seria consumida avidamente na mesma.
A história passa-se numa prestigiada universidade norte-americana onde, pela primeira vez, uma mulher não branca é nomeada diretora do departamento de Inglês. Essa mulher é Ji-Yoon Kim (interpretada por Sandra Oh) e aquilo que parece ser a maior honra da sua carreira rapidamente se revela um pesadelo.
“Sinto que alguém me passou uma bomba-relógio para as mãos porque queriam ter a certeza de que seria uma mulher a segurá-la quando explodisse”, diz Kim numa das cenas que resume bem os dias frenéticos e os problemas sem fim que passaram a ser a vida dela desde que assumiu o cargo.
Empolgada por dar um novo fôlego a um curso a que já poucos ligam, Ji-Yoon Kim é arrastada para uma enxurrada de dramas, desde os professores dinossauros que não querem reformar-se mas que também não entendem a necessidade de mudar de métodos para conquistar novas gerações, a regras centenárias e a cheirar a mofo que não fazem qualquer sentido na realidade atual. Racismo, sexismo, interpretações tiradas do contexto e o poder das redes sociais, está tudo bem encaixado em “A Diretora”, que faz e assume uma sátira às instituições académicas presas num tempo que já não existe.
A série é leve, sarcástica, tem sentido de humor nos momentos e, sobretudo, nas personagens certas. Holland Taylor está incrível como Joan Hambling, a catedrática que é empurrada para um gabinete na cave e que se está nas tintas para a opinião que os alunos têm dela. Queima avaliações, faz perseguições ilegais e é hilariante na sua recusa de aceitar o que a idade lhe reserva ou que lhe digam o que tem de fazer. Jay Duplass não tem muito a provar mas faz da sua personagem, Bill Dobson, uma das melhores da narrativa. Viúvo há um ano, está um caco e acumula asneiras (péssimas para ele, ótimas para nos entreter a nós, espectadores). Ji-Yoon Kim, que há muito sente mais do que amizade por ele, tenta ir apagando os fogos. Os dele e os de toda a gente, na verdade. A mulher não tem um momento de descanso — até porque quando não está a resolver problemas de trabalho, corre atrás da filha, Ju ju (Everly Carganilla) que foge constantemente, afugenta babysitters com comentários despropositados e se sente completamente deslocada naquela família que nem sequer é comum: a mãe é sul-coreana, não tem marido e ela, adotada, tem origens mexicanas.

“A Diretora” está disponível na Netflix e divide-se em seis episódios com cerca de meia hora cada © DR
Tudo isto já é suficiente para garantir qualidade a “A Diretora” mas, quando se junta um elemento nonsense, é como se surgisse a tão esperada cereja no topo do bolo. David Duchovny faz uma aparição como ele próprio e a sequência entre ele e Sandra Oh é maravilhosa. Ele acha-se um prodígio, porque até estudou em Yale, e debita os seus sucessos enquanto faz batidos e se pavoneia pela sua mansão com uns mini calções de banho. Ela não tem tempo nem paciência para explicar a esta estrela de Hollywood, convidado pelo reitor da universidade para uma palestra importante, tudo o que está errado nessa situação.
A série foi criada e escrita por Amanda Peet e Annie Julia Wyman e ninguém diria que é a estreia das duas nesta área. A primeira é uma atriz conhecida (“2012”, “O Amor Está no Ar”), a segunda é argumentista e crítica de cinema mas não tinha, até agora, nenhum crédito em televisão. A equipa de produtores executivos completa-se com David Benioff e D.B. Weiss, responsáveis por “A Guerra dos Tronos”. Por aqui não há white walkers ou Lannisters para derrotar mas há uma Sandra Oh que mais uma vez se reinventa para mostrar como é versátil, vulnerável quando é preciso e com um sentido de humor fora da caixa quando ninguém espera.