O Missouri, estado do interior dos Estados Unidos, decidiu processar o governo chinês, alegando que o país não reagiu ao surto da Covid-19 e é por isso responsável pela pandemia mundial. Na ação judicial, que já deu entrada num tribunal federal, o Missouri acusa a China de ser “responsável pelas enormes mortes, pelo enorme sofrimento e pelas enormes perdas económicas infligidas no mundo”, incluindo as pessoas daquele Estado.
Em comunicado, o Procurador-Geral do Missouri, o republicano Eric Schmitt, afirmou que o governo chinês mentiu sobre os perigos do vírus e não fez o suficiente para o parar ou desacelerar a sua propagação. “O governo chinês mentiu ao mundo sobre o perigo e a natureza contagiosa da Covid-19, silenciou denunciantes e fez pouco para parar a disseminação da doença. Devem ser responsabilizados pelas suas ações”, acusa Eric Schmitt, citado pelo The Guardian, que acrescenta ainda que a China “acumulou” material de proteção.
O que a China (não) fez para evitar a pandemia. O resto do mundo pode pedir contas ao regime?
“As autoridades chinesas iludiram o público, reprimiram informação crucial, prenderam denunciantes, negaram a transmissão entre humanos perante diversas provas, destruíram investigação médica fulcral, permitiram que milhões de pessoas ficassem expostas ao vírus – causando uma pandemia global que era desnecessária e evitável”, conclui o processo, apresentado esta terça-feira pelo próprio Procurador-Geral do Missouri, onde existem 6.105 casos positivos e 229 vítimas mortais associadas ao novo coronavírus.
Apesar de tudo isto, a verdade é que é altamente improvável que a ação judicial em causa tenha qualquer impacto, já que a lei norte-americana proíbe de forma geral processos contra outros países, salvo em algumas exceções. “O problema legal é que simplesmente não é possível”, disse Chimene Keitner, professora de Lei Internacional na Universidade da Califórnia, ao jornal inglês. Já os responsáveis do Partido Democrata no Missouri garantem que o processo é uma “acrobacia” de Eric Schmitt, o Procurador-Geral que procura a reeleição ainda este ano. Por seu lado, o governo chinês já reagiu ao episódio, que classifica de “muito absurdo”.
“Este suposto processo é muito absurdo e não tem qualquer base factual e legal. A China procedeu de uma forma aberta, transparente e responsável e o governo dos Estados Unidos deve dispensar este litígio vexatório”, afirmou Geng Shuang, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, ao canal estatal do país.
A verdade é que, mesmo que a ação judicial do Missouri não tenha qualquer consequência, é apenas mais um capítulo das várias declarações de intenção de pedido de responsabilidades à China. Além do think thank britânico Henry Jackson Society, que publicou este mês um relatório onde calcula em 3,2 mil milhões de libras [mais de 3,6 mil milhões de euros] o valor mínimo em indemnizações que o regime chinês deveria pagar (e isto considerando só os países do G7), também o Berman Law Group, um escritório de advogados do Miami, vai entrar com um processo que exige compensação financeira “pelos danos causados àqueles que sofreram prejuízos pessoais, morte, danos à propriedade e outros danos devido ao falhanço da China em conter a Covid-19, apesar da capacidade de terem parado a propagação do vírus nas suas fases iniciais”. A ação judicial, que indica que a China deve pagar algo como seis triliões de dólares aos Estados Unidos, já conta com milhares de assinaturas de cidadãos norte-americanos.
Um outro processo, com origem em Las Vegas e desenvolvido por cinco empresários locais, defende que o governo chinês deveria ter “partilhado mais informação” mas ao invés disso “intimidou médicos, cientistas, jornalistas e advogados” e permitiu que a doença se propagasse. Fora dos Estados Unidos, também na Austrália já começaram a surgir algumas vozes de apoio a uma ação judicial poderosa interposta pelo governo central ao regime chinês. Amanda Stoker, a senadora do Estado de Queensland, já defendeu que a Austrália tem de ser parte de um “esforço global” para forçar a China a entregar os registos oficiais sobre o surto. Em declarações ao 60 Minutes, o programa da CBS, Stoker explicou que “descobertas fortes e factuais” que provem que existiram falhas no cumprimento de obrigações internacionais podem resultar numa “monumental compensação financeira”.