Há um verso de “Roulette”, a segunda música que Katy Perry cantou no Rock in Rio Lisboa, que define bem quer o concerto deste sábado quer toda a digressão de apresentação de Witness, o novo álbum da cantora. Uma digressão que culminou este fim-de-semana em Lisboa, depois de mais de 90 concertos pelo mundo. “I think I’m bored of being so careful”, é esse o verso. Em português, significa algo como: “Acho que ser tão cautelosa deixou-me aborrecida”.

É apropriado quanto baste. Afinal, Katy Perry precisou de muita coragem e vontade de assumir riscos para viajar pelo mundo com um disco que esteve longe de ser um sucesso comercial (pelo menos para os padrões da cantora) e dedicar praticamente metade dos concertos (nove de 19 canções) ao novo álbum.

Se alguém esperava que Katy Perry desse um concerto best of este sábado, enganou-se redondamente. Não só porque faltam à cantora singles para aguentar um concerto de perto de uma hora e meia sempre em bom nível (há um par deles de One of the Boys, o primeiro disco; uma mão cheia do segundo disco, Teenage Dream; e três ou quatro dos últimos dois álbuns) mas também porque, como boa apreciadora da roleta, Katy Perry tem apreço pelas estratégias mais ousadas. “Esta noite, testamos os limites, desligamos a segurança por um minuto”, ouviu-se em “Roulette”. E assim foi durante o concerto.

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Fotografias de: Vasco Silva

O início do concerto, dividido em seis blocos devido às mudanças de roupa de Katy Perry e ao encore final, foi morno, precisamente porque Katy Perry arrancou com duas canções de Witness. A primeira foi a faixa que dá nome ao disco, e que começou por ser tocada pela banda, primeiro, e cantada por Katy Perry depois, com um “olá Lisboa” pelo meio (e muitos fumos e uns quantos slogans nos ecrãs a destacarem a importância de ser-se livre). A indumentária da cantora, de fato dourado metalizado e óculos escuros postos, impressionou mais do que a canção, que passou relativamente despercebida. Seguiu-se a já citada “Roulette”, onde o cenário (com dois dados gigantes em palco) e as acrobacias dos bailarinos (sempre incríveis durante todo o concerto) destacaram-se mais do que a sua performance.

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Para encerrar o primeiro bloco de temas — isto é, antes de Katy Perry mudar de roupa pela primeira vez, o que faria por mais três vezes –, a cantora continuou a revisitar o passado recente. Perguntou ao público se estava “preparado para ouvir as suas canções preferidas” e cantou “Dark Horse”, um dos temas de maior sucesso dos últimos dois álbuns, mas que ainda assim não foi um dos pontos altos do concerto. A mudança de registo da cantora, de uma pop de letras despreocupadas (sobre as “inesquecíveis raparigas da California”, de “bikini e pele que recebeu banhos de sol”) e tom festivo para uma pop eletrónica mais intensa, com batidas mais pesadas, é bastante notória em “Dark Horse”. E a mudança não foi especialmente bem conseguida.

Seguiu-se o single “Chained To The Rhythm”, do último álbum, uma faixa um pouco mais política na letra (os próprios bailarinos dançaram com uma espécie de aparelho de televisão de papel na cara) mas de batida instrumental próxima do registo que notabilizou Katy Perry. Tinha tudo para ser um dos momentos altos do concerto, mas um problema no microfone, que levou Katy Perry a cantar durante largos segundos sem que a sua voz se ouvisse, não ajudou a que se criasse a comunhão possível com o público.

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A primeira paragem para Katy Perry mudar de roupa deu-se logo a seguir e originou um problema que se repetiu: pausas demasiado longas, com a banda a não conseguir entreter o público nas ausências da cantora. Os fãs mais aficionados, contudo, perdoaram a pausa, porque quando Katy Perry regressou, vestindo um fato às riscas, despachou de rajada aquelas que são provavelmente as suas quatro canções mais famosas.

A primeira foi “Teenage Dream”, que o público acompanhou do início ao fim com palmas, canto e muita dança. A segunda foi “Hot n Cold”, que a cantora apresentou de maneira criativa: despiu o casaco, mostrou o top que tinha as palavras “hot” e “cold” a aparecerem de forma intermitente e falou um pouco português, perguntando ao público como é que se dizia “hot e cold” nesta língua. Lá arranhou um “quênte” e “frio”, aproveitando ainda para dizer que um bisavô seu (“great grandfather”) era oriundo dos Açores e que por isso sentia que tinha “o mesmo sangue [do público] a correr nas veias”. O medley “California Girls/Last Friday Night” (em que Katy Perry dançou com um bailarino vestido de tubarão) e o grande êxito “I Kissed a Girl” (que a cantora entoou enrolada numa bandeira do orgulho gay e que dedicou a quem “estava curioso em 2008, como possivelmente eu estava”) encerraram uma sequência forte de canções.

A partir daí, contudo, Katy Perry só teve consigo os fãs mais fiéis. “Déjà Vu”, “Et” — que a cantora apresentou de forma inusitada, dizendo: “quem acredita em aliens faça barulho” — e “Bon Appetit” esfriaram um pouco os ânimos. É verdade que, de seguida, a balada “Wide Awake” pôs o Parque da Bela Vista a cantar com Katy Perry, de telemóvel bem levantado para embelezar a parca iluminação do palco, mas a sucessão de canções novas “Into Me You See” e “Power” causou apatia generalizada.

Nem um final um pouco mais forte, com “Part of Me” (tema de Teenage Dream), “Swish Swish” (do último álbum, Witness) e “Roar” (o single mais forte de Prism, o penúltimo disco) a antecederem um encore com “Pendulum” e o grande êxito “Firework” fez esquecer que as canções mais populares já se tinham ouvido há 45 minutos. Ou que uma cantora que chegou a ser uma das maiores estrelas pop do mundo conseguiu causar indiferença até aos fãs mais entusiásticos com uma quantidade exagerada de canções novas relativamente desconhecidas. Nem as máquinas de fumos, o fogo de artifício e os insetos e flamingos gigantes atenuam o sabor agridoce. Para a próxima, pede-se um pouco mais e com menor tempo de espera, já que Katy Perry não atuava em Portugal há sete anos.