Um candidato, um carro e uma dose de suplemento proteico. É o trio de campanha de Marcelo Rebelo de Sousa que nos dois últimos dias garantiu que só está na estrada porque criticaram a sua ausência. Diz que não queria fazer nada, com os número da pandemia tão elevados, e as suas ações de campanha não passam disto: um encontro à porta fechada e declarações aos jornalistas à entrada, à saída e por vezes em ambas as situações. Não precisa de muito espaço nem tempo para dizer ao que vem sem ter sequer de fazer declarações. Quem é o candidato Marcelo? O homem simples, com as preocupações comuns da sua idade, que almoça com pressa porque tem muito trabalho e não sabe se muda ou não de carro porque a vida é incerta e não tem a certeza se vai manter o emprego dos últimos cinco anos. Bom, é pelo menos isto que espera que os portugueses pensem.
“Querem ver o que eu almoço?” E nem espera pela resposta, quando se dá por ele já só se veem uns pés pendurados fora do carro e o chefe de Estado à procura de qualquer coisa no banco de trás. Vem com um frasco de fortimel, um suplemento proteico que é o seu almoço (ver em baixo) e toma-o ali mesmo. À vista de todos e dos repórteres de imagem. Depois volta ao carro, continua preocupado com as marcas de algumas das batidas que já coleciona nos para-lamas e vai apontando uma a uma. “Este carro… está na altura de ser substituído. Sabem, isto foi em ALD e depois passou a ser propriedade minha, mas agora já estive a ver e se trocar ainda fico a pagar mais de 400 euros por mês”, explica aos jornalistas que são os únicos que ali estão. Os alunos da universidade Nova SBE, em Carcavelos, estão em exames e não se vê um único no átrio frente ao edifício onde só está mesmo estacionado o carro que o próprio Presidente conduz sempre que vai em funções de candidato.

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR
Não parece, mas está sempre a fazer política. Espreita pelo canto do olho, estuda as reações às suas trivialidades e faz caretas (mas de gosto em ser desafiado) quando no meio de tudo aquilo surge uma provocação política. Vai dando troco: “Se for reeleito, mantenho o carro, se não for troco-o”. Saltando de assunto em assunto, comenta que nenhum dos antigos Presidentes da República continuou a conduzir e que ele mesmo, quando sai aos fins de semana, já se baralha porque o sentido de circulação nas ruas muda todos os dias. Os seguranças do Presidente (tem obrigatoriamente de ser acompanhado por elementos do corpo se segurança pessoal da PSP) observam à distância, é sempre onde se mantêm nestas ações de campanha. Vêm num carro atrás e ficam longe, a supervisionar uma figura dificilmente controlável. Sai da sua alçada, sem ser visto, com demasiada facilidade e faz o impensável.
Ali, naquele átrio em frente ao edifício, não está ninguém. Mas se não há matéria para afetos e as selfies da praxe, há espaço, tempo e matéria suficiente para fazer a campanha — a que Marcelo quer fazer. Nos mínimos, a parecer quase forçado (pelos adversários) a estar na rua, mas sem qualquer pudor em disparar com preocupações corriqueiras em frente às câmaras. Aliás, este é um trunfo seu, o da normalidade. Fez uso dele de cima a baixo na curta hora e meia que por ali passou (e parte dela fechado com o grupo de alunos que lhe fez uma entrevista longe da comunicação social).

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR
Isto tudo sem deixar de atirar, ali também naquele mesmo átrio, a crítica mais dura desta campanha ao primeiro-ministro e precisamente quando Costa enfrenta um dos momentos mais delicados dos seus mandatos. Marcelo mostra-se impaciente com os apoios económicos que não chegam às empresas, com o otimismo face às ajudas europeias e com as restrições que não entram na cabeça dos portugueses. Pelo meio ainda deixa cair o seu guião para casos de crise política e lá segue no seu Mercedes que já está “velhinho” mas que este domingo luta para manter por mais cinco anos.

.
O espaço que se segue quase parece publicidade (mas de Marcelo)

JOÃO PEDRO MORAIS/OBSERVADOR
O senhor sai do carro e perguntam-lhe: “O que é isso?”. “É Fortimel”, responde confiante. “É um produto que se compra nas farmácias, que tem vitaminas e proteínas, que é um suplemento alimentar que pode ser utilizado para substituir uma refeição”, explica enquanto abre a pequena garrafa. Um verdadeiro guião publicitário, que a marca agradecerá, mas que não é mais do que o Presidente da República a explicar do que são feitos os seus almoços quando não tem tempo para mais. Foi o médico que lhe recomendou o suplemento quando foi operado à hérnia e só podia ingerir líquidos. Marcelo acabou por aproveitar para adotar o hábito noutras situações. Longe vão os tempos em que ainda tinha por almoço a sanduíche de queijo e o sumo de ananás…
Marcelo parte para campanha a meio. E frugal da carteira ao estômago

.
Pela primeira vez de forma ostensiva o alvo foi o primeiro-ministro. Era de esperar, tendo em conta as acusações do lado de lá da barricada desta campanha eleitoral de colagem ao Governo. Hoje o candidato fez questão de aproveitar uma questão sobre se os apoios à economia eram suficiente para desconfinar uma chuva de recados sobre António Costa. Os apoios demoram demasiado tempo a chegar e a bazuca europeia quando chegar já nem chegará para tapar o buraco deixado a descoberto por esta pandemia. Marcelo Rebelo de Sousa a puxar o travão de mão das expectativas, ele que já não tinha gostava de ouvir o Governo a embandeirar em arco com a chegada da vacina a Portugal, ainda no final de dezembro. Otimismo a mais, disse sem deixar dúvidas sobre a quem se dirigia a mensagem dali enviada.