Esta é uma semana histórica para o Lar do Centro Social Paroquial de Oliveira do Douro, em Vila Nova de Gaia. Esta terça-feira, a instituição votou dentro de portas pela primeira vez e, até sexta-feira, será vacinada e testada contra a Covid-19. “Vivemos uma crise muito grande em abril, com mais de 90% dos utentes infetados, assim como colaboradores. Faleceram quatro pessoas e foram momentos muito difíceis, mas a partir de julho, as coisas estabilizaram”, conta ao Observador Paula Azevedo, diretora do lar, que também esteve infetada durante um mês.
O lar, inaugurado em 2011, alberga uma creche, um centro de dia e na estrutura residencial para idosos moram atualmente 43 pessoas, entre os 54 e os 97 anos. Oito utentes, os mais autónomos e que demonstraram interesse, votaram antecipadamente para as eleições presidenciais. Depois do almoço, a sala das visitas, onde a mesa principal está dividida por uma placa em acrílico, transformou-se por uma hora numa mesa de voto. Antes de a equipa municipal chegar às instalações, o ambiente era de estranheza e até de alguma ansiedade.




▲ Abrir, mostrar, explicar e repetir, parece ser esta a receita para a recolher de votos nos lares
Rui Oliveira/Observador
Dos pedidos de transparência ao favorito Marcelo, “o mais velhinho”
Laurentina Azevedo, de 90 anos, foi a primeira a votar. Movimenta-se com a ajuda de um andarilho, “porque as pernas já não colaboram”, e não dispensa a bandolete azul às bolinhas brancas para segurar o cabelo, “que já não é muito”. “Quero ser a primeira, posso?”, pergunta a uma das funcionárias e o seu pedido é aceite. “Votar é, para mim, uma esperança que para tudo corra bem no futuro”, diz ao Observador, garantindo que a sua preferência vai para Marcelo Rebelo de Sousa. “Vou votar no mais velhinho, como nós, e gostava muito que ele me viesse visitar aqui um dia, dava-lhe logo um abraço.”
A fã confessa do atual Presidente da República estranha não sair do lar para exercer um dos seus direitos, mas considera ser esta uma “boa opção” para o fazer em “tempos estranhos”. “Pelos vistos é mais seguro votar aqui, assim também fugimos da bagunça e estamos mais quentinhos.” Natural de Gaia, Laurentina Azevedo já se habituou à máscara no rosto e ao álcool gel em cada esquina, mas recorda com saudade os passeios que dava antes da pandemia. “Gostava de voltar a passear na carrinha, íamos visitar o Porto e a Foz, para ver o rio e o mar, agora só vejo prédios”, lamenta.
Alfredo Gomes tem 92 anos e partilha com Laurentina a mesma intenção de voto. “Sempre fui do Partido Socialista, não o troco até morrer, sou fiel”, começa por explicar ao Observador, acrescentando não ter a “mínima dúvida” de que Marcelo Rebelo de Sousa sairá vencedor no próximo domingo. “Vai ganhar, tenho a certeza. Os outros não têm categoria para receber as altas entidades lá de fora, não vejo essa capacidade nos concorrentes”, explica.
Durante a vida fez quadros, sapatos e pão, mas quando a mulher morreu, em 2011, foi obrigado a mudar de morada. “A minha mulher morreu, a minha reforma é pequena, o meu filho não pode ficar comigo, tive que vir para aqui, mas tenho muita sorte, sinto-me em casa.” Alfredo vive e fala sozinho no quarto, adianta que já se habituou às novas regras, mas não esconde o receio de ficar infetado. “Temos de nos habituar a isto, há pessoas que não compreendem as condições, mas eu não fujo a elas. Tenho medo de apanhar o vírus, mas felizmente, para já, estou limpinho.”




▲ Habituados a sair do lar para votar, esta terça-feira os idosos só tiveram de mudar de sala
Rui Oliveira/Observador
Na sala de convívio, recheada de poltronas coloridas, ouve-se a televisão e as damas e o dominó estão arrumados nas caixas. Isilda Guido, de 73 anos, não larga o cartão do cidadão e a caneta azul desde que terminou o almoço, espera ansiosa pela chegada do boletim de voto às suas mãos, apesar de não partilhar quem vai escolher. “Sempre votei, considero que temos todos essa responsabilidade, até devia ser obrigatório”, afirma, acrescentando “existirem candidatos a mais”. “Antes ia à escola, mas agora não nos deixam sair daqui. Desde de março que não posso sair à rua, nem para comprar sabonetes.”
Falador, divertido e de boina ao xadrez pousada na cabeça, António Tavares, 87 anos, ainda se lembra do tempo em que não era permitido votar, talvez por isso dê tanta importância a dias como o de hoje. “É um dever cívico de todos os portugueses, nunca falhei uma eleição”, sublinha, reconhecendo que esta será uma votação diferente. “Será mais rápido, mas se tudo estiver a ser bem trabalhado será igual. Tem é que haver transparência e rigor para não se prejudicar ninguém.”
Segura firme o seu bilhete de identidade com uma fotografia a preto e branco e uma caneta azul, “a cor do melhor clube”. Chegou ao lar à boleia da mulher, que “sofre de Alzheimer e já não caminha”, garante ter “uma memória boa e uma cabeça jovem” e conta que em abril foi um dos muitos utentes infetados na instituição. “Estive três meses isolado, fechadinho num quarto, mas resisti. Não fui para o hospital, acho que sou um bom exemplo, mas fiquei com mazelas, nas pernas já não sinto a mesma força.”
Uma “caixa preta” aberta e um autocolante “para recordação”
Pelas 14h, um elemento dos Bombeiros Separadores de Vila Nova de Gaia e um funcionário da câmara municipal chegam ao lar de bata branca vestida, luvas, máscara e viseira. Na mão trazem álcool gel e um envelope grande castanho com oito dossiers — na capa pode ler-se o nome completo e o número de identificação dos utentes que vão votar. Após cada um mostrar, através do painel acrílico, o seu documento de indefinição, abre-se o dossier respetivo e retira-se o recheio: boletim de voto, dois envelopes, um branco e um azul, e duas tiras autocolantes.
“Agora vai fazer uma cruz no quadradinho que quiser, depois dobra o papel em quatro e entrega à funcionária. Não se esqueça que ela não pode ver a sua cruz, o voto é secreto”, recomenda José Manuel Lemos, funcionário autárquico que comenda todo o processo. Repete a indicações várias vezes, com tempo, paciência e boa disposição. De pé, junto a um balcão de madeira, devidamente coberto, os oito utentes preenchem o boletim de voto, uns mais depressa do que outros. “Uma cruz? Não vou sacrificar o homem”; “Nesta fotografia ela não está nada bem”, ouve-se antes e depois do voto.

▲ Um elementos dos bombeiros, um funcionário da autarquia e dois representantes das candidaturas formam a equipa de recolha das votações
Rui Oliveira/Observador
A funcionária fica responsável por receber o boletim dobrado, guardá-lo dentro do envelope branco, mais pequeno, e depois no azul, um pouco maior. Depois de o envelope ser selado pelo responsável, é o próprio utente que o coloca na urna destapada. “Atiro para esta caixa preta?”, questionam alguns ao espreitar lá para dentro curiosos. O espaço é desinfetado após cada passagem e há quem bata palmas, satisfeito, para marcar o momento. “Agora guarde este talão, é a prova de que você votou”; “Sim senhor, vou guardá-lo para recordação”.
No fim do processo, José Manuel Lemos fecha a urna e leva-a com todo o cuidado para a mala de um carro, acompanhado por dois elementos da polícia municipal. “Foi uma experiência gratificante, superou as minhas expetativas, acho que correu tudo bem”, diz. “É o segundo lar que faço hoje, no outro votaram 15 pessoas, neste apenas 8, penso que é uma algo para repetir.”
Eduardo Vítor Rodrigues, autarca de Vila Nova de Gaia, partilha da mesma opinião. “Penso que num contexto pós pandémico este será um bom exemplo para o futuro”, defende em entrevista ao Observador, realçando que a ação permite “dar conforto às pessoas”. Acrescenta ainda que a transparência “está assegurada”, uma vez que a polícia municipal irá entregar os votos no domingo às diferentes mesas de voto para serem devidamente contabilizados, e que o processo só não correu melhor devido à “dificuldade incompreensível” no registo da plataforma da Comissão Nacional de Eleições. Durante dois dias, 20 equipas, compostas por três elementos, irão recolher votos em quatro lares e 80 domicílios, totalizando 250 pessoas.