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MÁRIO CRUZ/LUSA

MÁRIO CRUZ/LUSA

"Help, I need somebody!" O 112 anda a atender bem os turistas?

Um rapaz belga de 6 anos morreu numa piscina. Pais dizem que o 112 transferiu chamada 5 vezes por ninguém falar inglês. INEM e PSP têm outra versão. Estrangeiros dizem que atendimento está melhor.

A mesa chegou a ser posta, mas o almoço nunca viria a ser servido. A 17 de julho, enquanto Ansie Van Aerschot, belga e mãe de uma família que passou 15 dias de férias em Portugal no mês de julho, punha pratos, talheres e copos na mesa, o seu filho Vic, de seis anos, foi sugado para um buraco no fundo da piscina da villa que alugaram em Azeitão.

Os momentos que se seguiram foram dedicados à tarefa de salvar Vic. Ansie, juntamente com um amigos de família que se juntaram às férias, saltaram para a piscina para tentar conseguir tirar de lá o rapaz, que estava preso a “pelo menos 1,90 metros de profundidade”, conforme contou Ansie e o seu marido, Michael Wanzeele, num comunicado enviado às redações. O corpo de Vic, que já não se mexia, estava a ser sugado pelo filtro da piscina. “Entrei em pânico, porque era evidente que não o conseguíamos tirar, mas continuámos a tentar”, lê-se nesse texto.

Enquanto isso, ligaram para o 112. Aí, a juntar à atrapalhação de Ansie, que não conseguia encontrar o quadro de eletricidade onde podia desligar o filtro da piscina, juntou-se outra: a língua.

“Ligámos para o 112, a nossa chamada foi transferida cinco vezes até conseguirmos falar com alguém que falasse inglês”, conta a turista belga.

"Entrei em pânico porque era evidente que não o conseguíamos tirar, mas continuámos a tentar. Ligámos para o 112, a nossa chamada foi transferida 5 vezes até conseguirmos falar com alguém que falasse inglês."
Ansie Van Aerschot, turista belga e mãe de Vic, de 6 anos, que morreu depois de ficar preso numa piscina em Azeitão

Os bombeiros acabaram por chegar, depois de Vic ter estado “durante 15-20 minutos” preso ao fundo do piscina. Fizeram manobras de reanimação, conseguindo que o rapaz voltasse a ter consciência “após 40-45 minutos”. Vic foi depois levado para o Hospital Dona Estefânia, em Lisboa. Foi internado pela unidade de cuidados intensivos, que não a conseguiu salvar.

Para salvar uma vida, cada segundo conta. Quando se perdeu essa mesma vida, são várias as perguntas que se fazem. No caso particular de Vic, a primeira dirá respeito à piscina onde a criança belga morreu — algo que o DIAP de Lisboa já está a investigar — e por que razão, se o relato da família belga se confirmar, o filtro não estava tapado.

“Saltámos todos imediatamente para a piscina para o ajudar, mas era impossível soltá-lo”

No entanto, há outra pergunta que o relato de Ansie Van Aerschot e de Michael Wanzeele suscita: teria sido outro o desfecho desta história se a chamada não tivesse sido “transferida cinco vezes” até conseguirem encontrar alguém que falasse inglês?

O que, visto de forma mais ampla, leva a outra pergunta premente numa altura em que Portugal recebe um número cada vez maior de turistas, estudantes Erasmus e residentes estrangeiros: está o 112 preparado para atender chamadas noutras línguas que não o português?

Domínio do inglês é requisito para atender chamadas no 112

Contactadas pelo Observador, as entidades relacionadas com o 112 que responderam às nossas perguntas garantem que o domínio do inglês é uma realidade dentro das suas organizações.

O 112 funciona com várias camadas. A primeira cabe à PSP e à GNR, cujos funcionários são os primeiros a atender a chamada. Depois de o utente explicar qual é o tipo da sua emergência, esta é transferida para a entidade responsável, consoante se trate de um problema de saúde, segurança, de catástrofe natural ou de outro tipo.

"Um dos critérios de seleção dos polícias para a função de operadores e supervisores dos centros operacionais 112 é o domínio da língua inglesa falada, para garantir que qualquer operador se encontra habilitado a proceder ao atendimento de chamadas nessa língua."
Intendente Hugo Palma, porta-voz da PSP Union des Français de l’Etranger

Ao Observador, o porta-voz da PSP, o Intendente Hugo Palma, diz que “existe sempre a possibilidade de o atendimento ser efetuado em português ou inglês” e acrescenta que “um dos critérios de seleção dos polícias para a função de operadores e supervisores dos centros operacionais 112 é o domínio da língua inglesa falada, para garantir que qualquer operador se encontra habilitado a proceder ao atendimento de chamadas nessa língua”. O nível de domínio do inglês é sujeito a uma “aferição (…) durante o processo de seleção”, adianta o Intendente Hugo Palma.

Também no INEM, “é critério preferencial de admissão de novos profissionais (…) o domínio da língua inglesa”, conforme adianta o seu gabinete de comunicação em resposta ao Observador. “Da mesma forma, encontram-se sempre escalados nas centrais médicas do INEM profissionais que dominam a língua inglesa.” Durante o atendimento feito pelos Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU), os operadores trabalham com um programa de triagem clínica que conta com algoritmos médicos disponíveis em português, inglês e francês, de forma a facilitar a “atuação destes profissionais que têm de efetuar a triagem clínica das ocorrências noutras línguas”.

(PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images)

PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP/Getty Images

Quanto a outras línguas além do inglês — como o castelhano ou o francês —, o porta-voz da PSP diz que não é “possível garantir o atendimento” de forma permanente. “Dependendo dos operadores no momento em serviço, poderá ser possível efetuar o atendimento na língua falada pelo comunicante, pois existem operadores que possuem conhecimentos noutras línguas”, explica.

Questionados sobre o caso específico dos turistas belgas que perdeu o filho em Azeitão, tanto a PSP como o INEM apresentam versões que contradizem o relato feito no comunicado daquela família de turistas.

A PSP e o INEM negam que o atendimento à família belga cujo filho morreu preso numa piscina tenha sido prejudicado por falta de domínio do inglês. "Não corresponde à verdade que os contactantes tenham falado com várias pessoas devido à barreira linguística”

A PSP refere que o 112 recebeu “duas chamadas de um número estrangeiro, ambas atendidas e processadas num número português” e que “as posteriores transferências efetuadas pelo 112 seguiram os protocolos estabelecidos, independentemente de terem sido atendidas em português ou inglês”.

O INEM refere que “não corresponde à verdade que os contactantes tenham falado com várias pessoas devido à barreira linguística” e diz que “a triagem clínica foi realizada no imediato e sem qualquer dificuldade linguística”. “A chamada foi somente transferida uma vez, de imediato, e com o objetivo de apurar o melhor possível a localização exata da ocorrência (…) e a triagem clínica da situação”, lê-se na resposta enviada pelo INEM, que adianta ter recebido duas chamadas do local.

“Numa situação de pânico, as pessoas mal sabem falar a própria língua, quanto mais uma estrangeira”

David Thomas vive em Portugal desde 2005. Foi nesse ano que este cidadão britânico decidiu reformar-se do seu trabalho em Hong Kong — trabalhou na polícia entre 1974 e 2005, sendo comissário adjunto quando terminou a carreira — e mudar-se para o Algarve. A partir dali, chegou a ser consultor da Interpol em França e também para o Escritório das Nações Unidas para as Drogas e Crime. Em 2011 pensava que se ia reformar de vez — mas, nessa altura, uma subida do crime no Algarve junto da comunidade britânica levou-o a agir.

Em 2011, David Thomas fundou a Safe Communities Portugal. Trata-se de uma associação sem fins lucrativos que assume os objetivos de incluir a comunidade britânica residente no Algarve na prevenção do crime e de facilitar a comunicação entre estrangeiros e autoridade em situações de emergência.

"Os serviços de emergência têm de falar em inglês, isso não pode ser um problema.”
David Thomas, presidente e fundador da Safe Communities Portugal

“Muito do nosso trabalho consiste em melhorar a comunicação entre os dois lados e, por isso, ajudamos a traduzir todo o tipo de informações que o governo queira passar às populações, além de darmos as nossas próprias recomendações de segurança a turistas em mais de seis línguas”, diz David Thomas ao Observador.

O site da Safe Communities Portugal, assegura o seu fundador, tem cerca de 4 mil visitas por dia, feitas por utilizadores de mais de 80 países. Alguns dos seus posts no Facebook têm um alcance de 170 mil pessoas. Além da articulação com a Autoridade Nacional de Proteção Civil e com o Ministério da Administração Interna, a Safe Communities Portugal está também em contacto com “várias embaixadas”, com destaque para a britânica.

Sobre o uso do inglês por parte de quem atende as chamadas no 112, David Thomas não deixa espaço para dúvidas: “Os serviços de emergência têm de falar em inglês, isso não pode ser um problema”. Ao longo dos anos, refere que o número de situações que lhe chegaram às mãos de estrangeiros que não conseguiram ser atendidos pelo 112 por haver uma barreira linguística é “muito pequeno”.

Segundo Isabelle Braga, secretária-geral da Union des Français de l’Etranger de Lisboa, diz que "já há polícias que falam corretamente francês" na PSP, mas há que melhorar (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Do que eu tenho observado, isto não tem sido um problema, com a exceção de alguns casos, que foram poucos, onde soubemos que houve algumas dificuldades”, refere, garantindo que nenhum destes teve o desfecho daquele que aconteceu com a família belga em Azeitão e que não passam de “uma mão cheia por ano”.

Além disso, nos anos do boom turístico em Portugal, aponta que a situação tem até melhorado nesse departamento. “Nos últimos cinco anos não demos por uma tendência de aumento de situações problemáticas e, na verdade, se há algo a registar é mesmo uma diminuição desses casos”, assegura.

Isabelle Braga, secretária-geral da associação da Union des Français de l’Etranger (UFE) de Lisboa, adianta que, ao longo dos mais de 20 anos há que vive em Lisboa, o maior desafio linguístico costuma ser com a polícia. “Quando as pessoas estão numa situação de emergência e não dominam nem o português nem sequer o inglês, é uma catástrofe para eles”, diz ao Observador. “Numa situação de pânico, as pessoas mal sabem falar a própria língua, quanto mais uma estrangeira. Torna-se muito difícil falar numa língua que não se domina num caso destes.”

Isabelle, que fala português fluentemente, é várias vezes contactada por outros franceses que, a mãos com uma emergência ou a meio de um atendimento num balcão como o de uma esquadra de polícia, lhe ligam a pedir tradução simultânea. No entanto, assegura que isto acontece com cada vez menor frequência. “Há três ou quatro anos notava mais isto do que hoje em dia”, garante. “Hoje já há polícias que falam corretamente francês, falam tal e qual como eu, porque nalguns casos são filhos de emigrantes portugueses que decidiram fazer as vidas deles em Portugal.”

“Hoje já há polícias que falam corretamente francês, falam tal e qual como eu, porque nalguns casos são filhos de emigrantes portugueses que decidiram fazer as vidas deles em Portugal.”
Isabelle Braga, secretária-geral da Union des Français de l’Etranger de Lisboa

Ainda assim, sublinha, é preciso fazer mais para o atendimento melhorar. “É preciso formar melhor as pessoas a nível da língua, tem de haver uma formação específica no que respeita a casos de emergência e a casos de polícia. Se Portugal está a acolher tantos estrangeiros, então é preciso ter em conta que a língua é fundamental para que tudo corra bem”, diz a secretária geral da UFE.

Em contacto com as autoridades portuguesas, David Thomas refere que existe uma preocupação destas em melhorar o atendimento junto dos estrangeiros que afluem a Portugal. “Foi-nos explicado pelas autoridades que este é um assunto que merece atenção e que é visto como uma área onde há melhorias a fazer”, diz.

Aos estudantes Erasmus, dizem logo que “não vale a pena ligar para o 112”

Mais crítico é Francisco Pereira, vice-presidente da Erasmus Student Network (ESN) de Lisboa, associação que recebe e procura ajudar os estudantes Erasmus que chegam à capital do país. “O 112 tem falhas até para os portugueses”, diz, referindo que os problemas se agravam quando a comunicação passa a ser feita numa língua estrangeira. “O tempo de atendimento é ridículo e a falta de conhecimento de línguas também. Nós dizemos logo que não vale a pena ligar para o 112.”

À chegada, alguns estudantes Erasmus são recebidos nas universidades que os acolhem em dias de receção. Além da ESN Lisboa, também a PSP costuma estar presente nesses eventos, como conta Francisco Pereira. E, refere o vice-presidente da ESN Lisboa, já nessas situações se nota que o domínio do inglês ainda tem por onde progredir junto daquela força da autoridade. “As pessoas da PSP que vão connosco não estão tão à vontade com o inglês como qualquer outro jovem. Vê-se que são pessoas que, lá na PSP, eles dizem ‘vai o não-sei-das-quantas, que o não-sei-das-quantas sabe dizer olá em inglês’”, ironiza o jovem. “Mas depois não sabem ter uma conversa fluente em inglês.”

“O tempo de atendimento é ridículo e a falta de conhecimento de línguas também. Nós dizemos logo que não vale a pena ligar para o 112”, diz o vice-presidente da ESN Lisboa (Tiago Petinga/LUSA)

Tiago Petinga/LUSA

Quando os estudantes Erasmus chegam a Lisboa no início de cada ano letivo — em setembro, adianta o vice-presidente da ESN Lisboa, espera-se mais de 3 mil estudantes vindos de outras partes da Europa —, Francisco Pereira explica-lhes que “o 112 é mais uma espécie de call center do que alguém que realmente sabe dos temas”.

Como alternativa, sugere aos estudantes recém-chegados que, em caso de problemas de saúde, liguem para a linha Saúde 24 (808 24 24 24). “Atendem muito mais rapidamente e são pessoas que têm formação em áreas como a medicina, enfermagem ou farmacêutica, que estão habituadas a trabalhar com o inglês e que, por isso, podem ajudar com mais eficácia”, explica Francisco Pereira.

Para o vice-presidente da ESN Lisboa, falta que o país, e em particular a capital, se “adapte a uma realidade que até há pouco tempo era inconcebível, que é a de neste momento, em zonas como o Chiado, se falar mais inglês do que outra língua qualquer”. E conclui: “O serviço ainda não percebeu isso, ainda não se adaptou. E, depois, vive na ilusão que muitos portugueses têm, que é a de que falam muitas línguas estrangeiras. Mas, por mais que tentemos acomodar e perceber a língua, nós não sabemos falar assim tão bem línguas estrangeiras. Muito menos em situações de emergência.”

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