1 Nestes dias de retrocesso histórico marcados pelas imagens de cidades ucranianas reduzidas “a cemitérios” pelos criminosos tanques e artilharia russa de Vladimir Putin, é impossível manter qualquer espécie de neutralidade. O que está em causa é demasiado importante para nos escondermos. Não há grande escolha: ou defendemos o Estado de Direito, a democracia, a liberdade, o respeito pela soberania dos Estados e a auto-determinação dos povos ou defendemos a autocracia de Putin. Estas são as opções e não há meio termo.

Por isso, a invasão da Ucrânia é um daqueles temas perfeitos para desmascarar as forças extremistas da sociedade portuguesa. Do PCP já falei o suficiente. Do Bloco de Esquerda nem tanto, apesar de já ter censurado a “face grosseiramente cínica” do partido de Catarina Martins.

Tal como já aconteceu no passado, o sentindo de marketing do Bloco permitiu identificar os perigos que os seus dirigentes correriam se tivessem cometido os mesmos erros de palmatória do PCP no apoio suicida a Putin. A alternativa era clara: censurar desde o princípio a invasão da Ucrânia sem rodeios, mas atacando ao mesmo tempo da NATO. E o que significa atacar a NATO?

2 Significa mais uma daquelas utopias em que a extrema-esquerda é pródiga. Ou seja, ao mesmo tempo que condena sem reservas o desrespeito claro da Rússia pelo direito internacional, o Bloco segue o seu profundo e ortodoxo anti-americanismo que herdou dos ‘seus pais ‘ UDP e a PSR.

O que tem as seguintes consequências:

  • ao mesmo tempo que critica a “aventura” e o “imperialismo” da “invasão” da Ucrânia, o Bloco censura da mesma forma (e ao mesmo nível) a “imposição americana de armamento e bases da NATO ao longo das fronteiras da Federação Russa” que — repare-se no pormenor sórdido de total inversão das coisas — “resulta num agravamento das tensões e numa escalada do conflito à maneira da Guerra Fria”. Parece que a tal “imposição americana” é tão culpada pela invasão da Ucrânia como o próprio Putin.
  • Por muito que o Bloco diga que respeita a soberania e a integridade do território ucraniano, certo é que defende um “estatuto de facto congénere ao da Finlândia — de neutralidade respeitada.” Esta é que é uma “solução aceitável por todas as partes”. Ou seja, o BE quer que Moscovo tenha uma espécie de tutela sobre Kiev. É a teoria dos esferas naturais dos blocos geo-estratégicos — o que, na cabeça dos bloquistas, não é nada contraditório com o anti-imperialismo que professam.
  • E, finalmente, o Bloco deseja a saída de Portugal da NATO.

3 Vamos à segunda parte da utopia. Os camaradas do BE não querem que a NATO seja a organização de defesa da Europa. Então o que propõem em vez da NATO? Paz. Muita paz. Foi precisamente essa “Conferência de Paz” promovida pela União Europeia que Catarina Martins defendeu em Braga este fim-de-semana. 

Portanto, e em termos práticos, enquanto os ucranianos são chacinados, obrigados a enterrarem corpos em valas comuns e têm cidades cercadas sem comida, água e luz — o Bloco quer algo que ainda ninguém conseguiu: convencer Putin a negociar a paz. Só tenho uma dúvida: como é que se negoceia com alguém que invade, agride, mata e tenta destruir um país inteiro?

Em termos práticos, os bloquistas preferiam que os ucranianos se defendessem do exército russo com flores e, vá lá, talvez umas fisgas melhoradas. Tudo porque também são contra o fornecimento de armas à resistência ucraniana, claro. Como não?

Como Rui Albuquerque dizia ironicamente no Twitter, “um povo, quando atacado, deverá render-se, porque assim poupará vidas.” É um pouco como a teoria de Miguel Sousa Tavares e de vários oficiais pró-Putin que têm povoado as televisões portugueses nas últimas semanas.

Última ironia: o partido que é a favor da saída de Portugal do Euro e que questiona cada vez mais a presença de Portugal na União Europeia (UE), quer que a mesma UE promova uma conferência de paz. Extraordinária coerência!

4Historicamente, o PCP e a restante extrema-esquerda portuguesa e europeia sempre criaram movimentos pela paz com uma espécie de cobertura para alcançar objetivos de divisão das opiniões públicas das sociedades ocidentais. No caso do PCP, essa sempre foi uma estratégia de frentismo aconselhada pela União Soviética.

Por exemplo, os soviéticos apadrinharam em 1950 a criação em Varsóvia do Conselho Mundial da Paz — um órgão internacional que integrava comunistas e supostos socialistas e social-democratas mas, que na realidade, não era mais do que um órgão controlado pelo PCUS para “promover a paz” quando os soviéticos enviavam milhões para o Gulag e controlavam com mão de ferro todo o leste europeu.

Em Portugal, veio a ser criado o Conselho Português para a Paz e Cooperação — que era uma espécie de braço armado português do Conselho Mundial da Paz. Nos anos 80, o órgão chegou a ser liderado pelo marechal Costa Gomes, o ex-Presidente da República durante o PREC que nunca escondeu alguma simpatia pelo PCP.

E para que serviam esses conselhos para a paz? Para denunciarem o imperialismo dos Estados Unidos e, futuramente, da União Europeia. E o imperialismo da União Soviética que se expandiu para a América Latina, África e Ásia? Nunca mereceu uma palavra de censura de tão cândida organização.

Hoje a liderança do Conselho Português para a Paz e Cooperação é coerentemente assumida pela ex-eurodeputada comunista Ilda Figueiredo desde 2011 e pouca credibilidade tem — muito justamente, refira-se.

5Voltando ao Bloco de Esquerda. As posições do partido remetem-nos para uma pergunta que desde sempre persegue o Bloco: se não são se assumem como comunistas (por muito que descendam de um partido com inspiração troskista e outro com pendor estalinista) mas sim como marxistas, afinal, que sociedade defendem?

Já sabemos que o Bloco é anti-americano e que nada quer com a União Económica e Monetária.

Em duas entrevistas que deu ao Observador nos último anos (ver aqui e aqui), Catarina Martins tentou recusar o rótulo de extrema-esquerda, como chegou a insinuar que o BE tinha um programa social-democrata em vésperas das legislativas de 2019. Contudo, e tal como a própria coordenadora bloquista assumiu, o BE é um partido “socialista” que defende  “horizonte mais vasto de transformação da sociedade”, sempre rumo ao “socialismo” — leia-se  marxismo

O Bloco quer ser capaz de “ultrapassar” a fase capitalista e “construir uma outra”. E qual será a outra? Catarina não diz, nem faz ideia pois “não existe um regime perfeito algures à espera de ser copiado.”

6 O Bloco acabou por reunir várias fações da extrema-esquerda debaixo do seu teto. Todas essas fações tiveram origem na ideia de que nada tinham a ver Moscovo — e de que outros sistemas marxistas desalinhados eram mais puros e bem sucedidos.

Afinal, digam-me lá filhos do marxismo, qual foi o comunista bom que conseguiu implementar um sistema político que promoveu a democracia, a liberdade, a justiça e o progresso económico e social dos povos?

Foi o camarada Mao Tse-Tung — que o MRPP e outros grupúsculos da extrema-esquerda idolatravam, enquanto impunha uma ditadura ainda mais sanguinária que a soviética, sendo responsável por alguns dos maiores crimes contra os direitos humanos?

Foi Enver Hoxha — o comunista albanês que começou por organizar e financiar a UDP e que é o responsável pelo facto de a Albânia ter sido durante muitos anos um país de terceiro mundo em pleno continente europeu?

Foi o camarada Tito — o partisan que ajudou a derrotar o nazismo para criar a Jugoslávia com mão de ferro e obrigar os sérvios, os croatas, os eslovenos e os bósnios a viverem em conjunto com uma metralhadora apontada à cabeça e a política política a perseguir tudo e todos?

Ou terá sido o grande camarada Fidel Castro tão admirado por Otelo Saraiva de Carvalho e que, em troca de médicos e cuidados de saúde, quase que obrigou os cubanos a morrerem à fome, enquanto prendia e matava os opositores e descriminava e perseguia os homossexuais? Ou o pobre diabo chamado Ceausescu, outro tão admirado por alguns militares do MFA nos anos loucos do PREC e que acabou assassinado às mãos do povo à porta do seu palácio banhado a ouro?

Resumindo e concluindo: o Bloco, tal como o PCP, é um partido de extrema-esquerda com inspiração marxista que defende a construção de uma sociedade que não corresponde aos valores civilizacionais do portugueses. Não é um partido democrático e nunca as suas ideias trarão progresso aos portugueses.

De uma vez para sempre, temos de perceber que bloquistas (e comunistas) querem construir um outro país — uma outra sociedade em que a ditadura e a tirania reinam, em que não há liberdade política e económica, em que o Estado tudo faz e tudo pode em nome de um caminho para a felicidade eterna que nunca chegará.

PS: Devido aos maus resultados nas legislativas de janeiro de 2022, o Bloco de Esquerda vai receber uma subvenção muito inferir ao que era costume, pois perdeu 14 deputados face a 2019. Assim, o Bloco vai ser obrigado a despedir funcionários, a encerrar sedes do partido espalhadas pelo partido e a uma redução “brutal”. É uma ironia do diabo que o partido que enche a boca com críticas (quase sempre moralistas em forma de autos de fé) aos governos e empresas que são obrigadas a aplicar políticas de austeridade devido a crises económicas ou perdas de receitas, esteja agora a aplicar exatamente a mesma ideia. Pode ser que ganhem mais humildade no futuro e adesão à realidade.

Texto alterado às 9h40 de 16 de março