O Sporting caiu com estrondo na primeira jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões e terá agora de responder nas restantes partidas para ainda lutar pelo apuramento para os oitavos de final ou até para cair para a Liga Europa. Os leões foram goleados pelo Ajax em Alvalade, naquela que foi a segunda pior derrota europeia sofrida em casa na história do clube, e nunca conseguiram colocar em prática uma verdadeira ideia de jogo. 

Sem estar habituada a este tipo de exigência, a equipa de Rúben Amorim colapsou por completo diante de um adversário difícil e eficaz que apresentou um tipo de pressão que bloqueou a construção leonina e desativou a defesa normalmente concisa. Mas por que é que tudo isso aconteceu? À partida, existem cinco razões.

A música foi outra e o maestro apareceu sozinho sem orquestra para dirigir (a crónica do Ajax-Sporting)

Uma pressão nunca vista que esgotou soluções

Se é verdade que esta é uma forma muito simplista de explicar as coisas, também é verdade que é a forma mais real de explicar as coisas: esta equipa do Sporting nunca tinha sido testada a este nível. Depois da eliminação da época passada no playoff de acesso à Liga Europa, frente ao LASK, os leões passaram o resto da temporada limitados à Primeira Liga, à Taça de Portugal e à Taça da Liga, enfrentando repetidamente os mesmos adversários e sempre contra um nível de dificuldade vastamente linear.

Com o Ajax, na Liga dos Campeões, isso não aconteceu. Pela primeira vez na era Amorim, a equipa teve de responder a um adversário teoricamente superior, com experiência recente nas competições europeias e sem qualquer receio de jogar ao ataque em Alvalade. Os espaços que o Sporting costuma explorar nas costas da defesa não existiram, a tranquilidade com que João Palhinha e Matheus Nunes costumam organizar o jogo a partir do meio-campo nunca apareceu e os centrais foram colocados perante problemas na saída a partir de trás que levou a muitas perdas ainda no primeiro terço.

Pablo Sarabia, o reforço mais sonante dos leões, entrou ao intervalo mas nunca conseguiu desequilibrar

E tudo isto é explicado pela forma de pressionar da equipa de Erik ten Hag. Com uma marcação muito forte ao portador da bola, o Ajax conseguia recuperar a posse em zonas muito elevadas e catapultar o ataque a partir daí. Se, a nível interno, o Sporting é uma equipa que gosta de ter bola e construir a partir de trás, com o jogo a passar por quase todos os elementos na primeira fase do desenho ofensivo, a verdade é que essa dinâmica nunca foi permitida pelos neerlandeses. Com as linhas muito subidas e os setores espaçados mas sem perderem a ligação, o Ajax teve uma atuação quase perfeita no que toca à resposta à perda da bola e à quase asfixia dos movimentos de Nuno Santos, Paulinho ou Jovane. Sendo que este último, que saiu ao intervalo, quase não teve intervenção na partida.

Desde que Rúben Amorim chegou ao Sporting, os leões só tinham sido confrontados com este nível de pressão frente ao Benfica, ao FC Porto e ao Sp. Braga, excluindo-se os melhores períodos temporais de alguns jogos do Famalicão, do Marítimo ou do P. Ferreira. A grande diferença, contudo, é que nessas partidas o Sporting conseguia ferir o adversário sempre que saltava linhas pressão e acabava por não demorar muito tempo até equilibrar a dinâmica instaurada. Contra o Ajax, a equipa de Amorim só teve espaço para respirar quando os neerlandeses levantaram o pé do acelerador, depois do 0-2, e tremeu sempre que perdia a bola no meio-campo adversário e tinha de recuperar.

Uma defesa sem Coates que perdeu (ainda mais) o norte depois de perder Inácio

Durante a semana, o Sporting teve a boa notícia da recuperação de Gonçalo Inácio, que tinha ultrapassado a lesão que o impediu de ir à Seleção Nacional e estava apto para enfrentar o Ajax. Contudo, em oposição, os leões recordaram a má notícia de que Coates não era opção para a Liga dos Campeões por ter sido expulso no último jogo europeu da equipa, contra o LASK, na época passada. Assim, de forma natural, Luís Neto manteve o lugar no onze inicial para render o uruguaio e Inácio voltou à titularidade.

Sem querer mexer demasiado no trio defensivo, que acaba por ser a grande espinha dorsal da equipa, Rúben Amorim decidiu deixar Neto à direita e atribuir a Inácio a responsabilidade de ser o central do meio. Ou seja, ser Coates. Mas, num dia em que nem Feddal nem Rúben Vinagre estiveram especialmente bem à esquerda, o capitão fez mais falta do que seria expectável. Em condições normais, depois de um erro ou de um desposicionamento à esquerda, Coates aproximar-se-ia desse lado para fazer a cobertura. Porquê? Porque, mais do que por solidariedade, sabia que tinha a competência de Inácio nas costas, que por sua vez sabia que tinha o voluntarismo de Pedro Porro ainda mais atrás.

“Os meus jogadores estiveram a sofrer em campo e eu sofro por eles”. Amorim resigna-se à derrota mas sublinha “orgulho” na equipa

Ora, sem Coates e sem estar tão habituado a esses movimentos, Gonçalo Inácio nem sempre encurtou distâncias para a esquerda e criaram-se autênticas avenidas para Antony, Haller e até para Berghuis — como ficou mais do que visível no lance do terceiro golo do Ajax, ainda que aí o jovem central já tivesse saído. Depois de Inácio sair lesionado, Amorim não quis arriscar demasiado e colocou Neto ao meio, deixando Esgaio numa mais confortável e reconhecível posição do lado direito. Mas, tal como já tinha ficado claro com o onze inicial, ter Neto ao meio nunca foi o plano A. E também a versatilidade de posicionamentos de Esgaio só tinha sido testada como central nos últimos dias.

Se a primeira parte foi muito dura para o Sporting, a segunda provou que a defesa leonina não tinha agressividade e quebrava como manteiga sempre que Antony desequilibrava na direita e punha a bola entre linhas na grande área. Haller, muito alto e muito móvel, é um tipo de avançado que a equipa de Rúben Amorim praticamente não encontra na Primeira Liga e um obstáculo que a desfalcada defesa dos leões não soube ultrapassar. Neto não conseguiu acompanhar a velocidade, Feddal cometeu inúmeros erros de posicionamento e falhou diversos passes em zona proibida e tanto Rúben Vinagre como Matheus Reis tiveram noites para esquecer no lado esquerdo. Mas esse lado esquerdo merece um capítulo individual.

Um lado esquerdo para esquecer, de Vinagre a Feddal e passando por Matheus Reis

Não é preciso ser um grande especialista em futebol para ver os cinco golos do Ajax em Alvalade e perceber que todos nasceram no corredor direito do ataque dos neerlandeses, o lado esquerdo da defesa portuguesa. Rúben Vinagre acusou o nervosismo depois de ter ficado mal na fotografia dos primeiros dois golos e não voltou a equilibrar-se, saindo ao intervalo porque “há noites em que nada sai bem”, como explicou Rúben Amorim. No segundo tempo, Matheus Reis não conseguiu fazer muito melhor e limitou-se a alguma gestão de danos na hora de enfrentar a criatividade e inspiração de Antony. Mas vamos por partes:

  • Minuto 2, 0-1, golo de Haller. Logo ao segundo minuto, com Alvalade ainda a encaixar a emoção de voltar a ouvir o hino da Liga dos Campeões, Haller abriu o marcador ao aproveitar um ressalto depois de um remate de Antony ter batido no poste da baliza de Adán. Mas como é que Antony chegou à grande área? Mazraoui subiu e desequilibrou entre linhas, atraindo Feddal para zonas mais adiantadas. O central leonino falhou o corte e permitiu o passe para Antony, que puxou para dentro e não deu hipótese à dobra de Vinagre. A partir daí, a sorte tomou conta do destino, sendo que nem Porro nem Neto acompanharam a movimentação de Haller.

  • Minuto 9, 0-2, golo de Haller. Aqui, já teve influência o facto de o Ajax ter claramente percebido que o ponto fraco do Sporting, pelo menos nesta noite, estava no lado esquerdo da defesa. Pasveer, o guarda-redes que substituiu o habitualmente titular mas lesionado Stekelenburg, notabilizou-se durante a primeira parte com os passes longos que conseguia colocar no meio-campo adversário. Ciente de que Antony estava a ter um dia feliz, pôs a bola em cheio no corredor direito e explorou a velocidade do brasileiro. Rúben Vinagre falhou por completo o posicionamento quando a bola ainda estava no ar, preocupou-se primeiro com a trajetória e só depois com o adversário e permitiu que Antony dominasse sem oposição e totalmente aberto para cruzar. Na área, novamente, Haller apareceu sozinho e só precisou de encostar.

  • Minuto 39, 1-3, golo de Berghuis. O golo que acabou por ditar grande parte do resultado final. Acabado de reduzir a desvantagem, por intermédio de Paulinho, o Sporting subiu as linhas e voltou a acreditar mas depressa foi travado pelo terceiro golo do Ajax. Antony voltou a ser melhor do que Vinagre junto à linha, Feddal não teve engenho nem corpo para parar a rotação de Gravenberch e Berghuis, com um único toque, deixou Neto e Esgaio pregados ao chão.

  • Minuto 51, 1-4, golo de Haller. Depois da desilusão logo no arranque da segunda parte, com o golo de Paulinho a ser anulado por fora de jogo, os leões voltaram a desconcentrar-se e a permitir o que tinham evitado nesses primeiros instantes após o intervalo. No quarto golo, o que acaba por impressionar é a total ausência de marcação a Haller, que surge completamente sozinho na grande área enquanto Matheus Reis tentava impedir o cruzamento de Antony sem encurtar espaços e Feddal procurava a interceção. Neto, atrasado, nem sequer se fez ao lance.

  • Minuto 63, 1-5, golo de Haller. E, por fim, o golpe de misericórdia. Mais uma incursão pelo lado direito, desta feita com maior velocidade e por parte de Mazraoui numa zona mais interior do terreno, e bola cruzada entre linhas para a entrada da grande área. Haller, mais uma vez, recebeu sozinho e no meio de Neto e Esgaio, acabando por finalizar novamente na cara de Adán.

 A inexperiência de quem aproveita a juventude mas tem de sofrer dores de crescimento

Este é um dos capítulos que foi antecipado ainda antes do apito inicial. Esta equipa do Sporting, que contra o Ajax tinha cinco jogadores com menos de 25 anos no onze inicial e Gonçalo Esteves, Geny Catamo, André Paulo e João Goulart no banco de suplentes, não tem qualquer experiência europeia. Mais: não tem qualquer experiência para lá das competições internas, excluindo-se as rápidas eliminatórias da Liga Europa contra o Aberdeen e o LASK no início da época passada.

A pressão do hino da Liga dos Campeões, a pressão de abrir a competição em casa e contra uma equipa de Ajax, a pressão de ter os olhos do mundo em cima dos ombros acabou por ser demasiado grande para jogadores como Rúben Vinagre, que nunca conseguiu recuperar dos erros nos dois primeiros golos. Outros, como Jovane, ficaram tão toldados pela veloz desvantagem que mal conseguiram tocar na bola. E outros, como Adán, sentiram a impotência de pouco ou nada conseguirem fazer.

Se é certo que é impossível dizer que o Sporting teve uma atuação desastrosa, até pelas boas exibições de Pedro Porro, Matheus Nunes, Nuno Santos ou Paulinho, também é certo que o Sporting nunca colocou em prática qualquer tipo de estratégia. O golo sofrido muito cedo mudou os planos da equipa de Rúben Amorim e nunca permitiu que os leões se apresentassem sem nada a perder e sem o peso do resultado a cansar as pernas. E aqui, mais do que a nível desportivo e defensivo, Coates fez falta: o central uruguaio, capitão e voz de comando, fez falta na hora em que era preciso chamar os colegas de volta à terra, lembrar que nada está perdido e que estavam a jogar a Liga dos Campeões.

Gonçalo Inácio saiu lesionado durante a primeira parte e deixou a defesa leonina ainda mais frágil

Matheus e Palhinha tentaram atacar mas falharam a defender

Por fim, uma dupla que esteve sempre bem a nível ofensivo mas que falhou a nível defensivo. Se Matheus Nunes foi o melhor jogador do Sporting, por tentar sempre romper pelo corredor central e carregar a equipa para a frente, a verdade é que o jovem médio cometeu vários erros nas compensações defensivas. Tanto Matheus como João Palhinha, habituados a jogar com três jogadores nas costas e contra equipas que quebram com uma pressão mais alta, partiam para o confronto atraídos pela bola e deixavam a equipa descompensada entre linhas.

A falta de ajuda de Matheus e de Palhinha à defesa, que tantas vezes não faz falta porque Inácio, Coates e Feddal tratam do assunto, foi proeminente para explicar a facilidade com que o ataque do Ajax entrou no último terço leonino. E aqui entronca outra das dúvidas sobre os “ses” na estreia na Liga dos Campeões: tendo em conta o trabalho feito desde o início da época para colocar o 3x5x2 como plano B, tendo em conta a necessidade de ter mais posse para marcar ritmos de jogo e não ficar tão exposto às transições, tendo em conta que a colocação de três unidades no corredor central daria outra reação também na perda, se Pedro Gonçalves estivesse disponível poderia ter havido Daniel Bragança de início?