Reza a história que, em 2004, enquanto via os Jogos Olímpicos de Atenas pela televisão, uma jovem inglesa de nove anos fazia um desenho seu com a frase “Quero ganhar as Olimpíadas” por debaixo da imagem. A criança acabaria por crescer e ao gosto pelo atletismo juntou-lhe a paixão pela História, curso onde acabaria por ingressar e terminar a licenciatura no King’s College, em Londres, no ano passado. Talvez aí tenha aprendido que só os grandes nomes perduram através de feitos ainda maiores e que, por trás de qualquer conquista, estão anos de preparação minuciosa. E, aos 22, Dina Asher-Smith tornou-se numa dessas figuras que perdurarão para a eternidade ao ser a primeira atleta britânica a conquistar um triplete de ouro em Campeonatos da Europa, nos 100, 200 e 4×100 metros.
E que sítio mais apropriado para entrar nos livros sagrados do desporto do que o Olympiastadion, em Berlim, onde o americano Jesse Owens desafiou os nazis para conquistar quatro ouros em 1936 e Usain Bolt estabeleceu o recorde mundial dos 100 metros em 9.58 segundos, em 2009? A estudante de história brilhou num palco mítico para criar o seu próprio legado, juntando o seu nome aos supracitados históricos do atletismo mundial.
10.85 and European Champion!!!
????????
Ten. Eighty. Five!! From ME! ????
Thank you all so, so much for the support both online and from all those screaming last night in the stadium. I am so pleased with that win + still pinching myself. Now it’s time to refocus + prep for the 2 pic.twitter.com/91rQuZkLNG
— Dina Asher-Smith (@dinaashersmith) August 8, 2018
A história deste triplete dourado começa a ser contada com um colar dispendioso. “Disse a mim mesma que este ano queria correr a 10.80 nos 100 metros e tinha uma brincadeira com o meu fisioterapeuta: se corresse a 10.85, compraria um colar que tenho mantido debaixo de olho, mas que é um bocado caro“, contava Dina Asher-Smith, confessando que, a dias de correr nos Europeus, pensava: “Oh não, posso vir a ter de o comprar… E é mesmo caro”.
Parada na linha de partida, à espera do sinal que a fizesse avançar até à meta, é pouco provável que a britânica tenha pensado no colar. Não era isso que realmente a motivava. Na sua cabeça, dois fatores saltavam como preponderantes a nível motivacional: a sua maior concorrente, a holandesa Dafne Schippers, que a tinha vencido em todas as grandes competições desde os Europeus de 2014, também alinharia na final; Dina Asher-Smith passou grande parte de 2017 lesionada, com um pé partido, e a recear não conseguir voltar a ser a mesma atleta.
https://www.instagram.com/p/BmWrPAGg7Q8/?hl=en&taken-by=dinaashersmith
E a verdade é que tinha razão: não é a mesma, está bem melhor. Debaixo de temperaturas superiores a 30 ºC, a britânica não só pulverizou a opositora holandesa, como também o seu próprio recorde nacional, conquistando a primeira de três medalhas de ouro com que sairia destes Europeus. Qual foi a marca atingida? 10.85, pois claro, a melhor marca mundial do ano, a primeira vencedora britânica desde Dorothy Hyman, em 1962, e… tempo suficiente para comprar o tal colar, que agora lhe deverá parecer mais barato.
Para trás ficavam Schippers (bronze, 10.99), a atleta da casa, a germânica Gina Lückenkemper (prata, 10.98), e a certeza de ter feito tudo como devia. “Estou tão feliz”, confessava Dina, continuando: “Correr 10.85 nos Europeus é algo em grande. Fiz tudo bem. Sabia que tinha capacidade, mas numa final tudo pode acontecer. Vou aproveitar o pique emocional, mas depois vou focar-me nas próximas provas”.
The first smiles I look for when I cross the line ♥️ #MumAndDad ???? @peteman82 pic.twitter.com/ht3cLbTj6p
— Dina Asher-Smith (@dinaashersmith) August 11, 2018
Seguiam-se os 200 metros e a oportunidade de fazer o dois em um. Mais uma vez, Dafne Schippers apresentava-se como o maior obstáculo entre Dina e o ouro, com a holandesa a ser a detentora do recorde europeu da distância (21.63). Dina não foi de meias medidas: na primeira metade da corrida, levava dez metros de avanço da concorrência, garantindo a vitória sem margem para dúvidas. O tempo de 21.89 não só lhe valeu a segunda medalha de ouro em quatro dias, como lhe permitiu descer o seu próprio recorde nacional em 0.16 segundos.
Nos últimos metros, a britânica ainda viu a adversária alemã aproximar-se, mas estava decidida a ser a primeira a cortar a meta. “Só pensava: ‘tirem-me daqui, dentro de ti tens uma bicampeã mundial, corre, aguenta'”. E, não só aguentou, como se tornou na atleta mais jovem de sempre a entrar no exclusivo grupo de tempos abaixo dos 10.90, nos 100 metros, e 21.90, nos 200 metros.
21.89!! 10.85!!!! Double European Champion!!! Two World leading times!!!!!!!! ????????
Wow oh wow oh wow!!!
????♥️???????? pic.twitter.com/0FGw8h5qWc— Dina Asher-Smith (@dinaashersmith) August 11, 2018
Mas faltava um importante capítulo a esta história e, porque não há duas sem três, Dina Asher-Smith voltaria a subir ao mais alto lugar do pódio, completando um triplete único na história do desporto britânico. E, apesar do ouro nos 4×100 metros ter chegado em equipa (Asha Philip, Imani-Lara Lansiquot e Bianca Williams completavam o quarteto), muito se deveu ao último segmento do percurso, corrido pela jovem historiadora.
Quando o testemunho chegou à sua mão, a formação britânica ocupava o quarto posto da classificação; quando Dina cruzou a meta, o primeiro lugar era seu. Para trás ficaram as atletas suíça, alemã e holandesa; para a posterioridade, uma prestação incrível da britânica, que viu a sua equipa acabar com o tempo de 41.88 segundos, o mais rápido do mundo neste ano.
Queens and Kings of Europe! ????#ThankYouBerlin #Treble
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— Dina Asher-Smith (@dinaashersmith) August 12, 2018
“Ganhei tudo aquilo em que entrei, não podia estar mais feliz. Quando comecei a correr, pensei ‘hoje é o nosso dia, não o vosso’. Ia vendo adversárias e pensando ‘não vão ganhar comigo aqui'”, explicou já com as três medalhas em sua posse.
No túnel, longe do delírio dos fãs e na calma dos seus objetivos, Dina Asher-Smith atirou: “Espero conseguir os mesmos resultados em Tóquio!“. E aí a britânica voltou a 2004 e ao desenho que exprimia um desejo profundo. Um desenho que cada vez mais parece uma profecia. Depois de se tornar rainha da Europa, o sonho de criança é cada vez mais realista e os Jogos Olímpicos de 2020 podem ser o palco da próxima história do legado de Dina.