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A escola que rezou pelos rapazes da gruta. Seis "javalis" estudam aqui

A professora Napapat espera pelo regresso do aluno mais popular da turma. Wassana pondera se voltará a explorar a gruta de Tham Luang depois do que aconteceu. Seis dos Moo Pa são estudantes aqui.

Reportagem em Mae Sai, Tailândia

O ritual repetiu-se durante duas semanas. Desde que a equipa Moo Pa desapareceu, engolida pelas profundezas das grutas de Tham Luang, todos os alunos e professores da escola Prasitsart reuniam-se, pela manhã, para rezar e meditar. Pediam aos deuses em que acreditam para que os seus seis colegas que ali estudam, bem como os restantes rapazes e o seu treinador, pudessem ser salvos. “Cada religião tem uma crença diferente, mas todas ajudam”, diz ao Observador Wassana Saebew, de 15 anos, aluna em Prasitsart.

Na noite do segundo dia de resgate, um dos comandantes envolvidos na operação tinha comentado com os jornalistas que o sucesso estava dependente do deus da chuva. “Tem tudo a ver com a natureza. Se o deus da chuva nos ajudar, então seremos capazes de trabalhar rápido. Mas se o deus da chuva não ajudar, isto pode ser um desafio”, admitiu na conferência de imprensa de segunda-feira.

“Espero que Deus os traga de volta”, comentaria Wassana na manhã seguinte, num dos vários encontros com a imprensa que a escola foi autorizando, todas as manhãs, com alguns alunos. Não é certo se se refere ao deus da chuva, a Buda ou a outra entidade, mas pouco importa — a mensagem está passada. Wassana está muito séria, o cabelo negro impecavelmente atado num rabo de cavalo, a farda azul-claro engomada. Ao seu lado estão sentados outros nove alunos: os rapazes de penteado à escovinha e sweatshirts, as raparigas com a farda azul de laço ao centro e as iniciais MPS (MaeSai Prasitsart School) do lado direito ao peito.

Wassana Saebew, aluna em Pratsisart (CÁTIA BRUNO/OBSERVADOR)

Wassana — “todos me chamam Shana”, diz — é uma delas. A adolescente não conhece pessoalmente os seis rapazes que frequentam Prasitsart, o que não surpreende, tendo em conta que são quase três mil alunos, espalhados pelos corredores pintados de verde-claro deste estabelecimento de ensino público. Ainda assim, não conseguiu deixar de notar o ambiente soturno que se sentiu na escola — e na cidade de Mae Sai — desde a notícia do desaparecimento da equipa Moo Pa. “Alguns de nós estávamos a fazer um acampamento quando soubemos da notícia. Foi uma sensação tão horrível… Já não houve mais piadas na viagem de carro”, relata.

A notícia que fez regressar o barulho aos corredores da escola

Debaixo dos telheiros da escola de Prasitsart, os jogos de ténis de mesa praticamente pararam. E, nos corredores, o barulho das conversas esmoreceu. “Até a disposição dos professores mudou, nós notámos. E os alunos estão sempre a falar disto. Às vezes estávamos a estudar e havia alguém que de repente parava, levantava a cabeça, e perguntava: ‘E os 13?’”, conta Wassana ao Observador. No dia da nossa visita, contudo, o ambiente já é outro. Nessa altura, já eram oito os rapazes resgatados com sucesso e os alunos conversavam animadamente nos corredores. Algures num dos edifícios verdes, um grupo de crianças mais novas cantava. Um rapaz mais atrevido, de passagem, arriscava dizer um “Hello!”.

A conferência de imprensa com alguns dos alunos da escola (CÁTIA BRUNO/OBSERVADOR)

“Estávamos numa aula quando os alunos começaram a receber a notícia do resgate de ontem pelo telemóvel. Foi uma alegria geral!”, conta a professora Kedwimon Pitjadee, de 34 anos. Kedwimon não é de Mae Sai, mas dá aulas de inglês em Pratsitsart há três anos. “Não é uma disciplina da qual que eles gostem muito, como a matemática”, admite. Wassana é a exceção: apesar de estar agora no início do ensino secundário, já fala um inglês fluente e afirma que a disciplina é a sua favorita.

As duas professoras acompanham a conferência ao fundo da sala. São duas manchas amarelas — cor usada pela maioria dos professores, como uma espécie de farda — encostadas à parede. Estão animadas pelas boas notícias, mas mantêm-se ansiosas, até porque dois dos rapazes do Moo Pa são seus alunos e as autoridades ainda não revelavam a identidade dos que iam sendo resgatados e dos que permaneciam em Tham Luang.

“É um miúdo muito simpático. Costuma ajudar-me a carregar os livros para a sala”, diz Kedwimon sobre o seu aluno que esteve praticamente duas semanas sem se alimentar, na escuridão. Parece quase impossível conceber que até há pouco tempo era uma criança feliz, um dos que contribuíam para a algazarra geral debaixo dos telheiros, onde as crianças se abrigam da chuva e passam em passo apressado ou a correr, a caminho da próxima aula. As raparigas caminham aos pares, conversando. Os rapazes saltam uns para cima dos outros, atiram-se ao chão, puxam a alça da mochila do colega.

Os corredores da escola de Pratsisart (CÁTIA BRUNO/OBSERVADOR)

Napapat Maautsa também tem um dos “12” numa das suas turmas. Habitualmente, também ele é um dos que causam alvoroço no recreio. “É um bom miúdo. Gosta de fazer amigos e brincar com eles e toda a gente na turma o adora. É super popular”, conta ao Observador. “Os colegas estão muito preocupados. Mas, nos últimos dias, com esta notícia dos que foram saindo, estão mais aliviados.”

O sentimento é partilhado por quase todos em Mae Sai, mesmo entre quem não conhece os rapazes de Moo Pa e o seu treinador. “Os meus pais estão sempre colados à televisão”, diz Wassana, filha de uma dona de casa (como muitas outras crianças na cidade) e de um padeiro. “De repente, ontem, só os ouvi a gritar: ‘Aaaaaah, eles saíram, eles saíram!’”

“Eles andam a apontar os TPC para lhes passar”

O regresso à normalidade, no entanto, levará o seu tempo. Para já, terão de ficar pelo menos uma semana no hospital, submetidos a uma série de exames e avaliações médicas. O frango frito que tanto pediram não poderá ser consumido já — os seus estômagos terão de adaptar-se primeiro a comidas mais suaves, depois de tanto tempo sem ingerir nada.

Depois, poderão finalmente abraçar os pais. Só mais tarde regressarão à escola e, seis deles, mais especificamente a Prasitsart. O diretor, Kanet Pongsuwan, já tinha avisado na segunda-feira que a escola terá em atenção o caso destas seis crianças e que não serão obrigadas a participar no exame da próxima semana, por exemplo. “Vamos tratá-los de forma muito positiva e não os culpar de nada”, disse. “Eles foram vítimas de uma catástrofe.”

As professoras Napapat e Kedwimon confirmam que tudo está pronto para os receber com calma. “Os alunos estão a preparar um cartaz de boas-vindas”, revela Napapat. Ainda que alguns colegas, como conta Kedwimon, estejam preocupados com as notas dos amigos: “Eles andam a apontar os TPC para lhes passar”, conta Kedwimon, não conseguindo evitar um sorriso. Esta professora tem falado com os pais do seu aluno desaparecido todos os dias, mas nem consegue explicar como eles se sentem. “É tão difícil”, é tudo o que consegue dizer.

As professoras Napapat e Kedwimon (CÁTIA BRUNO/OBSERVADOR)

Outros pais já comunicaram melhor o que pretendem fazer e há até um casal que tenciona enviar o filho para um mosteiro budista durante um mês. “Eles rezaram e fizeram uma promessa de que, se ele saísse, iria para o mosteiro”, contou uma das professoras ao USA Today, um dia antes da visita do Observador a Prasitsart. “Faz parte das nossas crenças budistas e também vai ajudá-lo a focar-se e a limpar a mente.”

O budismo é a “religião” da grande maioria dos tailandeses (de cerca de 95% da população) e muito se tem falado sobre o seu papel no drama das grutas the Tham Luang. Ao que tudo indica, o treinador Ekk é um antigo monge budista e, portanto, terá usado a sua experiência espiritual para fazer meditação com as crianças, ajudando-as a estarem mais calmas dentro da caverna.

Tailândia. O budismo ajudou os rapazes a sobreviver na gruta?

Quanto aos restantes alunos de Prasitsart, resta saber se continuarão a aventurar-se nas grutas de Tham Luang, como tantas vezes fizeram nos tempos livres. Em Mae Sai, explorar as grutas é um passatempo habitual entre as crianças e os adolescentes locais, uma espécie de desafio a que quase todos aderem mais cedo ou mais tarde. Wassana, apesar de boa aluna e bem comportada, também já o fez.”Toda a gente vai lá! Quando fui, senti-me muito assustada, os meus pêlos do braço eriçaram-se todos”, diz, passando levemente os dedos da mão pelo braço até tocarem na ponta da manga azul da camisa. “Só consegui dar uns passos, não fui tão para dentro como eles. Mas eles são uns rapazes malandros e aventureiros.” Depois do que aconteceu, irá Wassana regressar a Tham Luang? “Talvez”, responde apenas.

(CÁTIA BRUNO/OBSERVADOR)

Uma hora depois da conversa com Wassana, é anunciado oficialmente que a operação de resgate de hoje deveria trazer para a superfície os últimos cinco que permaneciam em Tham Luang, incluindo o rapaz mais novo, de apenas 11 anos, e o treinador. Em Prasitsart, as aulas prosseguiram, com os telemóveis a apitarem furiosamente com as trocas de mensagens no Whatsapp, Messenger e Line, o sistema de mensagens mais usado na Tailândia, entre alunos. Todos esperavam com expectativa que as suas orações tivessem sido atendidas.

E foram. Amanhã, pela primeira vez em duas semanas, já não será preciso começar o dia a rezar em conjunto, antes de a campainha tocar para a primeira aula.

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